4. Conhecendo os tios arcanjos.
Pouco a pouco fui recobrando minha consciência: primeiro
veio-me sons de vozes desconhecidas misturadas com a de Miguel; depois meus
olhos vislumbravam vultos negros.
Se antes minha cabeça doía, agora, podia senti-la
explodir. Também não era para menos, já que eu fora atirado pro outro lado do
galpão, fazendo com que batesse a cabeça na dura parede de concreto. Passo a
mão sob meu crânio para ver se faltava alguma coisa, mas, felizmente, tudo estava
lá.
Procuro por minha concha companheira. Será que ela se
espatifara com o brusco voo? Procuro por ela no bolso falso de minha jaqueta
jeans azul. Apalpo-o volume que o objeto criava. Ufa!Tudo indicava que ela
estava inteira. Mas para ter total certeza a retiro do bolso e fico a
admirá-la: sua beleza continuava inalterável, sã e salva, sem nenhum mínimo
risco. Solto um suspiro aliviado.
Não sabia por que dava tanta importância aquilo. Tá. Tudo
bem que ela deveria valer muito dinheiro em qualquer loja de antiguidade ou até
mesmo num museu, porém, o resguardo que dava a ela era algo muito exagerado.
Olhe que até eu admito. Só que a culpa não era minha. Havia algo nela que me
impelia a cuidar dela como se fosse uma filha para mim.
Refletia sobre isso, quando atesto que não estava só
naquele grande salão. Havia cinco homens ladeando Miguel. Que falavam aos
berros, com aquelas vozes que pareciam trovões, encrenqueiros quais disputavam
seu espaço para riscar no céu de chuva. Pude ouvir um deles dizer:
--Miguel, tens certeza que vais contar a verdade ao
garoto? Isso pode fazê-lo odiá-lo, bens sabes...
Silêncio, fora a resposta de Miguel. Um silêncio de
dúvida, aflitivo.
--Tenho de contar a verdade Rafael... Se não contar, me
sentirei muito culpado... Além, de que ele é meu filho e por isso ele deve
saber a verdade...
--Até onde você contara a verdade?—interroga o cara de
cabelos alaranjados como uma cenoura.
--Contei somente que eu era seu pai, que sou um arcanjo e
que meu nome era Miguel...
--A decisão é sua, mas você sabe que no final teremos que
aniquilá-lo... —disse o mesmo anjo de cabelos alaranjados. A pela voz dele
percebi que era antipático. Devia fazer o tipo rabugento que detesta
adolescentes. Miguel ficara calado. A voz lhe sumira de repente.
Ouvira o que eu ouvira?Miguel iria me aniquilar, me
matar? O que eu fiz?A resposta logo me veio alta e em bom tom:
--Tens de matá-lo, ele roubara algo dos céus Miguel, que
se cair em mãos erradas, poderás destruir toda a criação de nosso Pai— falou um
homem de cabelos negríssimos como jabuticaba. --Se você não fizer,
infelizmente, teremos de agir...
Miguel silêncio puro.
--Viemos aqui justamente por causa disso... Viemos apenas
precavê-lo—anunciara o cara atarracado de cabelos marrom claro. A sua voz era a
mais nervosa de todas.
Miguel novamente emudecera. Não conseguia exprimir nenhum
som. O grupo de anjos (já suspeitava que fossem) olhava-o expectantes.
Em resposta Miguel acede com a cabeça. Parecia não ter
forças para contrapô-los. Obviamente tinha-os como certos e com isso calara-se.
Não podia opor-se.
Mas eu não podia deixar barato. Tinha de agir. Lutar pela
minha sobrevivência ou pelos menos, descobrir, antes de morrer, o motivo de
eles quererem meu óbito. Levanto-me decidido, empunhando a concha na mão
direita e vou à direção do grupo angelical. Meu coração acelerava, meus pulmões
trabalhavam loucamente para manter meu corpo bem oxigenado. Começo a suar.
O primeiro a perceber minha aproximação fora o de cabelos
alaranjados:
--Miguel, você não dissera que ele dormia?—disse olhando
e apontando em minha direção. O que fez Miguel olhar pro lugar indicado.
O som de meus passos reverberava naquele chão negro e
ensebado. Já ia à metade do caminho. Faltavam poucos passos para me confrontar
com aqueles que me queriam por morto, quando uma ideia lampeja em meu cérebro.
O tempo todo eles afirmavam que eu estava com algo que pertenciam ao céu. Como
não pensara isso antes! Era aquela concha que eles queriam... Podia fazer uma
troca. A concha pela minha vida.
Seria um trato mais do que justo. De súbito, estaco.
Estava no meio do caminho. A luz do dia começava a penetrar pelas janelas
empoeiradas. E um jato luminoso proveniente duma telha faltante, banhava-me
dando-me um ar quase angelical. E proponho o seguinte tratado:
--EI, VOCÊS AÍ, ME OUÇAM: QUERO PROPOR A VOCÊS UM ACORDO—
silêncio da outra parte; olhavam todos na minha direção. O plano começava a
funcionar. —EU LHES DEVOLVO A CONCHA E VOCÊS ME DEIXAM VIVO. —digo em voz alta e
nítida, apesar de que, estava tremendo feito um graveto ao vento, de medo.
Silêncio de ambas as partes. Eu os observava e eles idem.
Parecia uma daquelas cenas de filme de faroeste, onde dois pistoleiros aguardam
mínima reação do adversário para disparar. Estavam me estudando, com aqueles
olhos que variavam do azul ao verde.
Acho que tinha que ser mais radical.
-- VOCÊS NÃO OUVIRAM O QUE EU DISSE?—pergunto empunhando
a concha com as duas mãos. —TROCO ESTA CONCHA PELA MINHA VIDA... SE VOCÊS NÃO A
QUISEREM POSSO DEIXÁ-LA CAIR E SE ESPATIFAR NO CHÃO SEM NENHUM PROBLEMA...
Ao dizer isso o grupo verte o olha para mim. Viam-me como
cães de guarda quando encontram a sua frente um gato. Estavam pronto pra caírem
em cima de mim com certeza.
Abaixo a concha e a devolvo ao meu bolso falso.
Engulo seco. Estava ferrado.
***
--Enfim, o encontramos!—anuncia-me Rubie como se tivesse
acabado de topar com as minas do rei Salomão.
O sol já aparecia naquele céu azul anil. Ardia
fortemente, sinal esse que indicava chuva, o tal mormaço usado pelos humanos
para designar tal fenômeno. Deixando o bosque para trás, tínhamos a nossa
frente um velho prédio abandonado, com duas torres de tijolos avermelhados que
pareciam duas enormes chaminés desativadas, ladeando-o. Aquele era o lugar, não
tinha a menor dúvida.
--Enfim, chegamos. O que faremos agora?—pergunto a Rubie
que assumira o posto de líder até então.
--Temos que esperar... Sinto a presença de outros penosos
por perto. Devem ter se reunido—disse ela. Como assim esperar?Que se danassem
os arcanjos! Eu queria o quanto antes aquele anjo em minhas mãos e não podia
perder tal oportunidade. —Melhor nos escondermos atrás daquele arbusto ali,
perto daquele gradil... Não podemos nos aproximar muito, senão eles irão detectar
a nossa presença...
Descemos aquele morro íngreme com muita cautela para não
levarmos um tombo. Apesar de que era meio dificultoso descer aquilo com salto
alto agulha. Porém, acabamos por chegar inteiras naquela moita. Tudo bem que
era um arbusto grande e enorme, que cobria quase toda a extensão de nossos
corpos, mas aquilo me fazia se sentir uma perfeita otária.
Agora tínhamos que esperar. O que eu detestava fazer.
***
Tudo fora muito rápido. Mal tive o tempo de dar-lhes as
costas e começar a correr, pois eles já estavam a minha frente. Fico imaginando
como eles conseguem fazer aquilo. Aparecer e desaparecer quando quiserem. Num
estalar de dedos sumiam e reapareciam. Agora estava ali me bloqueando a porta.
--EI, CARAS EU ESTAVA BRINCANDO SABE... EU NÃO FARIA ISSO
DE VERDADE, ERA SÓ ZOAÇÃO... —explico gritando. O que não adiantara em nada,
pois assim que fecho minha boca, eles voam em cima de mim. Quando digo que eles
voaram sobre mim não é nenhuma figura de linguagem não, hein. Realmente eles
voaram em cima de mim como um ataque insano de pombos assassinos. Igual naquele
filme de Alfred Hitchcock em que uma cidade inteira é atacada por pássaros. No
meu caso era de anjos.
Agacho-me tentando me escudar com minhas mãos e braços.
Não havia mais chances de luta ou fuga. A única chance era me entregar a tal
destino. Pensava isso quando Miguel arcanjo e meu pai se interpõem entre mim e
os anjos enfurecidos. Aquilo fora algo muito magnífico.
Miguel de repente, distendera as suas assas de albatroz
gigante. Cada pena que formava aquele par e assas estava retesado, pronto para
atacar. Aquelas penas eram douradas e reluzentes cujas ficavam autenticamente
angelicais com aquela luz diurna a penetrar pelo caibro semi destelhado do
lugar.
Naquele momento, não sei o porquê soube que, deveras,
Miguel era o meu pai. Acho que percebera isso quando encarei aqueles dois olhos
azulíssimos e tão profundos quanto o oceano. Senti que deles emanavam, uma
espécie de sentimento palpável: o amor.
Os arcanjos já nos cercavam. Formavam um circulo
intransponível.
--OUSAS DEFRONTAR-TE CONTRA VOSSOS IRMÃOS, MIGUEL?—grita
o anjo de cabelos laranja. A voz dele parecia um chicote estalando no ar. Que
cara mais chato!Parecia ser o líder do grupo.
--NÃO OUSO NADA IRMÃO. DEIXAIS QUE EU CUIDE DE YZAEL, NÃO
SE PREOCUPAIS COM NADA IRMÃO— responde o interlocutor angelical. As assas dele
se tornava cada vez, mais retesadas, apenas esperando à hora do ataque.
No entanto, o que ele quis dizer com: DEIXAIS QUE EU
CUIDE DE YZAEL?Será que meu próprio pai me mataria?Não isso não poderia ser.
--TERÁS SOMENTE TRÊS DIAS PARA MATÁ-LO. PASSADO O PRAZO E
VOCÊ AINDA NÃO O TIVERA ANIQUILADO, NÓS VOSSOS IRMÃOS, RETORNAREMOS PARA EXECUTÁ-LO.
Fora o que o arcanjo de cabelo de polpa de laranja
dissera. Ao que Miguel assentira em concordância sem nenhuma resistência ou
reclamação. E como da outra vez, um enorme clarão invade o lugar cegando-me
durante alguns instantes. Passo as mãos nos olhos pra amenizar os efeitos
daquela mega exposição. Aquilo era como se você estivesse na frente de um
obturador duma máquina antiga e gigantesca que ao clicar lança um enorme flash
em sua direção. Todavia, aquela luz deixava você plenamente zonzo o que faz
você cambalear e quase cair no chão, se seu pai arcanjo não o aparasse em seus
braços.
--Você vai me matar mesmo?—pergunto recuperado a ele.
Minha resposta viera logo depois duns instantes de silêncio incomodante e
enervante. Parecera-me que avalia todas as possibilidades daquela pergunta, era
como se buscasse a resposta pra ela.
--Infelizmente, sim. Tenho três dias para matá-lo.
—responde-me ele friamente.
***
--Você sentira toda essa energia, Rubie?Será que eles já
foram embora?Será que eles levaram o anjo?—pergunto. Quando aquele clarão
evacuara pelo telhado antigo da fábrica os pelos de meu corpo arrepiaram-se dos
pés a cabeça.
-- Não. Há ainda um anjo e um arcanjo lá dentro. Posso sentir.
Acho que chegou o momento de tentarmos nos aproximarmos— diz-me ela
levantando-se agilmente e grudando no gradil enferrujado como um lagarto. —Você
vai ficar aí feito uma boba me olhando?
Subo, seguindo minha parceira. Tinha de pegar o anjo.
CONTINUA...
Um anjo matar o próprio filho. A história está ficando tensa, muito bom Rafael! :D
ResponderExcluirplanetavx.blogspot.com
Obrigado Michael é sempre um przer em tê-lo ,aqui, no blog!
ResponderExcluirAbraços.