quinta-feira, 21 de março de 2013

A HORA DOS LOBOS Cap.9

blog do raffael petter

9. Fugir e Lutar
—Acorde, bela adormecida... —sou despertada por uma voz, qual conhecia muito bem.
Era ele. Bastian.
Ele me olhava com um sorriso de lagarto, na boca. Seus olhos refletiam os fogos de artifícios, que em seu âmago ele deveria estar soltando de felicidade.
—Onde está a minha mãe? —pergunto sentindo  todo o meu pescoço encharcando de suor.
Tento me erguer, mas meus braços e pés estavam presos numa espécie de mesa, uma daquelas mesas de tortura antigas usados na era medieval. Olho ao meu redor procurando por ela. Estávamos na nave da igreja. Várias velas vermelhas estavam acesas, espalhando por todo o lugar sagrado a sua luz tênue e indecisa, que tremeluza ao mero sinalo duma brisa.
As chamas davam as colunas do lugar um charme ainda mais grotesco. Os bancos, que antes serviram de assentos aos decotadíssimos fieis, agora estava tombados de cabeça para baixo. Vitrais, que em algum momento coloriram a igreja com suas ilustrações das passagens bíblicas, achavam-se espatifados. Inclusive as paredes onde esses vitrais ficavam emoldurados, estavam parcialmente dominadas pelas heras verdejantes.
Houve um momento em que pude ver flutuando, nos caibros da igreja, olhos vermelhíssimos e grandes, cujos, deviam pertencer aos morcegos que haviam se tornado os novos freqüentadores do lugar.
Bastian não havia respondido a minha pergunta. Ele estava ao meu lado direito, olhando para mim com que me pareceu um olhar de loucura, obsessivo cheio de desejo.
—Bastian, onde está a minha mãe? —repito a pergunta.
—Não, se preocupe Tabatha... Lizzy, traga-a —ordenou com um aceno imperativo de cabeça.
Mal havia percebido a presença daquela desgraçada que havia me desferido um soco no olho. Aliás, ela e Beverly, que estava sentada a frente da nave, num banco que elas haviam erguido do chão.
Que legal...
As comparsas assistiam sem nenhum pudor o ritual...
—Lizzy, você ouviu o que eu disse? —pergunta ele pra garota morena que estava em pé, paralisada feito uma estátua.
—Sim... —responde num fiapo de voz.
—Então, o que você está esperando?
O tom de voz de Bastian não era dos mais carinhosos.
—Temos visitas... —disse ela apontando a porta que nesse exato momento escancara-se.
De repente, uma corrente de ar polar entra no recinto sacro, fazendo com que cada músculo de meu corpo arrepiar-se e depois retesar-se.
Droga! —pude ouvir Bastian sussurrar.
O que estava acontecendo alguém chegou?
Podia ouvir passos caminhando em direção do altar e pude ver Bastian, pondo-se em minha frente, como se ele quisesse tentar me ocultar de alguém.
—Ora, ora, ora... — reverberou uma voz aguda e esganiçada de mulher. —Quanto tempo, não Bastian?Quantos anos que não nos vemos?
— Uns cinqüenta anos? —responde. —Valerie...
—Não. Acho que foi muito mais tempo... —dizia ela se aproximando cada vez mais do altar.
—Nossa!O tempo passou tão de pressa... —falou deixando, denunciar em sua voz, certo medo.
De súbito, a mulher estaca e explode numa gargalhada insuportavelmente aguda.
—Você continua o mesmo cínico de sempre...
—E você continua tão bela quanto antes! —galanteia.
—O que você está escondendo atrás de você, Bastian? —perguntou parada a poucos centímetros de mim.
Ela estava tão perto de mim, que eu podia vê-la. Ela era uma mulher de seus trinta e poucos anos. Cabelos louros e cacheados cujos lhe desciam em cascata emoldurando o rosto fino e branquíssimo. Um busto farto e um corpo delgado, uma autêntica figura para se eternizar em uma escultura.
Porém, o que mais lhe chamava atenção eram aqueles olhos azuis claríssimos como o céu e impetuosos como o oceano em dia de borrasca. Os olhos amendoados que pareciam ter um “Q” de angelical, também irradiavam um “Q”de infernal.
—Nada... —Bastian respondeu, olhando de esguelha para mim.
O mais impressionante de toda a situação é que eu não conseguia exprimir quaisquer palavras. De repente, havia me calado sem saber bem o motivo.
Queria ter apenas, a minha mãe de volta...
—Não minta!Sinto o cheiro de humana!Eu pude sentir esse cheiro de longe... —Valerie disse fungando com o nariz como um cachorro — Só de pensar minha boca começa a salivar... 
—Sinto muito Val, mas ela é só minha. Eu a encontrei primeiro.
—Mas quem é a mais velha e a mais forte?Que tem força o suficiente para acabar com você e suas vampiras vagabundas? —pude ouvir um muxoxo de ira de Lizzy.
Eles me barganhavam tal como um açougueiro com um fazendeiro.
—Se você quiser podemos fazer um acordo... —começa Bastian.
—Como seria? —pergunta Valerie interessada.
—Você pode ficar com a mãe dela...
—Mais nem morta!Sangue de velho é horrível...
Não. Bastian ia me pagar se aquela vampira loira tocasse num só único fio de cabelo da minha mãe. Aquilo fugia totalmente do acordo que tínhamos. Apesar de não termo acordo algum, já que a palavra de um vampiro não significa nada.
Tinha que dar um jeito de sair dali e buscar minha mãe. Vou tentando afrouxar as amarras. Mais do que tudo tinha que pensar em algo para ganhar tempo.
Então, decido testar algo:
—De onde vocês se conhecem Bastian? —pergunto.
—Ela não está em transe, não? —pergunta Valerie indignada.
—Não — respondeu Bastian.
—Ei, dá para vocês responderem a minha pergunta?
—Onde você encontrou essa insolente?— pergunta Valerie entrecruzando os braços—Não vai me dizer que você está apaixonado por ela...?
—Nada haver...
Nada haver mesmo. O que ele queria mesmo era chupar todo o meu sangue e me deixar oca feito uma múmia embalsamada.
—Então por que você está aí como um guarda escoltando-a?
—Cara... Vai embora Valerie, não temos mais nada...
—Como assim não temos mais nada? —berra Valerie em indignação.
Enquanto eles discutiam, eu aos poucos, ia afrouxando as amarras. Faltava muito pouco para que eu conseguisse me libertar.
—Você é muito do ingrato sabia?Quando você começou a descobrir os seus poderes como vampiro, quem que serviu de cicerone nesse mundo?Eu!Quem foi que te ensinou a caçar?Eu! —gritava escandalizada.
—Eu sei, eu sei e te agradeço, mas não temos mais nada haver um com o outro. Os sentimentos que nutríamos no passado, se desfizeram... Restando apenas as boas lembranças...
Valerie e Bastian. Então isso quer dizer que no passado distante eles tiveram alguma coisa. Algum afeto.
—Boas lembranças apenas... —disse Valerie numa voz melancólica. —Então,vou sair daqui e te deixar em paz...
Estava quase liberta... Mais uns segundos e estaria livre...!
Nesse ínterim, Valerie, caminhava na direção da porta. O sobretudo marrom que ela usava, arrastava-se pelo chão, encobrindo quase por inteiro a sua bota de salto agulha, qual furava impiedosamente o mofado e puído carpete verde que revestia o assoalho negro.
—Bastian, posso perguntar uma coisa? —gritou Valerie à porta da igreja. Ela estava sendo iluminada pelos raios lunares.
—Pode... — disse Bastian.
Minhas mãos estavam suavam e com isso facilitou ainda mais com que eu me soltasse. Mãos já libertas ergo-me e seguindo para  meus tornozelos. Fazia aquilo sem que todos me notassem.
Eles pareciam não perceber.
—Você gostou mais da Luna do que de mim, não é verdade? —disse Valerie, virando-se e ficando de frente, no mesmo ponto em que Bastian estava.
Bastian suspirou profundamente e disse:
—Você sabe que sim...
Valerie começou a rir. Ria como uma demente, uma louca fugida do hospício. Depois, ela começou a chorar um choro sentido e doloroso. Por fim, estacou dando um sorriso.
—Ah, Bastian e por acaso eu não vi como é a sua caça... —disse, ela começando a correr.
Graças aos céus, eu já havia conseguido desatar a última amarra que me prendia a mesa.
Mas antes que eu pudesse sair dela, Bastian grita:
—Valerie, você não pode fazer isso!Você não pode tocar nela!Ela é minha!
Valerie, contudo, parecia não ter mais ouvidos. O lado vampiro havia tomado conta dela, cegando-a para razão.
Ela parecia um animal com os caninos retraídos, olhos vermelhíssimos e amendoados com risco escuro no meio das pupilas.
Quando percebi, minhas costas estavam grudadas na mesa. Mãos finas de unhas como garras prendiam fortemente meus pulsos.
—Vamos, deixe-me ver como você é! —guinchava ela.
Eu lutava com ela com todas as minhas forças. Não podia deixar que ela me mordesse. Mas era inútil lutar com ela montada em cima de mim.
—Me largaaa!! —grito para que ela saísse de cima de mim.
—Vamos, deixa eu ver o seu rosto garota!
Nesse instante Bastian interveio:
—Valerie, deixa a garota! Ela não tem nada haver... —disse tentando puxá-la de cima de mim.
Todavia nada fazia com que ela me largasse. Ela era como aqueles cachorros irritantes, quando começam a morder não soltam mais.
Decido desistir e mostrar logo meu rosto.
—Rá!Então é isso... —disse, ela saindo de cima de mim— você a quer porque ela parece com a sua falecida Luna...
Assim que ela virou-se para Bastian eu saio em busca de minha bolsa.
—Não é nada disso! —alega, ele.
—O que você estava pensando em fazer, então? — ela perguntou encarando Bastian— Transformá-la?
Silêncio da parte de Bastian.
Agora eu entendia!
O filho da mãe devia me achar parecida com essa tal de Luna e com isso iria me transformar em uma vampira igual ele fez com aquelas duas outras palermas que estavam escondidas debaixo dos bancos feitos ratos assustados.
Procuro pela minha bolsa. Tinha que ser rápida.
A encontro no chão, próxima a mesa. Corro e a pego. Ponho-a nas costas. E corro na direção duma porta que ficava do lado esquerdo, uma porta grande e totalmente feita de ferro.
Torço a maçaneta e a empurro.
Antes que eu pudesse entrar pude ouvir Valerie e Bastian discutindo:
—Cala, a sua boca!!Você não tem nada haver com isso, eu já disse!!! —vociferou Bastian.
—Será? — diz, ela num tom zombeteiro.
***
Estava num corredor escuro.
Acendo a luz azul do meu celular. Ela duraria muito tempo, só tinha uma carga. Vou iluminando o meu caminho e percebo que aquele corredor tinha várias portas dos lados.
Minha mãe só podia estar numa delas...
Vou abrindo uma por uma...
Não, essa daqui não...
Nem essa...
Quando ouvia não muito longe as vozes de Valerie e Bastian eu puxo a maçaneta duma das últimas portas e entro nela.
Me viro e encontro ela, minha mãe.
Ela estava amordaçada e amarrada por um monte de cordas que lhe davam várias voltas pelo corpo. Encontrava-se em transe. Parada como uma estátua. Olhando para mais além.
—Mãe, a senhora está bem? —pergunto, tirando a mordaça da boca dela e aconchegando o seu rosto frio, suado em minhas mãos.
Ilumino seu pescoço com a luz do celular.
Nada.
Felizmente.
—Mãe, vou te desamarrar e tirar a senhora daqui... —digo pondo o celular na minha boca, desatando os nós das cordas.
Depois ligaria para Tyler. Pedir a ajuda de Alieta seria inútil ela só iria atrapalhar.
Jogando as cordas dum lado digo a minha:
—Pronto mãe. Podemos sair agora...
Quando uma voz esganiçada e louca na porta anuncia:
—Sei que você está aí, garota... Sinto seu cheiro...
Droga!
Naquele momento, meu coração disparou e adrenalina começou a correr pelo meu corpo.
Tinha que pensar e agir rápido.
A porta não estava trancada, logo ela podia abrir a porta e entrar quando quisesse.
—Se entrar aqui eu explodo sua cabeça!Tenho um Colt aqui comigo...
—Rá!Só quero ver só... —disse Valerie girando a maçaneta da e empurrando a porta vagarosamente. Em segundos, podia-se ver uma mão pálida tentando adentrar no quarto.
Foi então que eu tomei coragem e correr para porta com a maior velocidade que meus pés permitiam, empurrando-a.
Imediatamente, uma mão decepada cai, um grito gutural do outro lado da porta e um berro:
—Vou te matar garota!!
Não, você não vai me matar.
Procuro por moveis para fazer de contrapeso na porta. Ali, na pequena saleta havia uma pequena poltrona, uma estante e duas cadeiras.
Arrasto, a poltrona e a estante encostando ambas na parede— fiz tudo sem ajuda da minha mãe que continuava sentada no chão.
Afasto eu e minha mãe para o fundo da saleta. Confesso que fora uma árdua tarefa, pois minha mãe não se movia por nada.
Olho no meu celular.
Ainda tinha carga para fazer uma ligação pelo menos.
Precisava ligar pra ele.
Seria o único jeito.
—Vamos, Valerie saía daí... —Bastian, disse em tom imperativo.
—Você quer morrer com ela? Você viu o que ela fez com a minha mão?Essa vaca vai morrer! —disse, ela rispidamente.
A voz dela era uma mescla de raiva e desejo de vingança.
Digito o numero de Tyler.
Nada.
Caixa postal.
Tento outra vez.
Caixa postal.
Tento a última vez.
Idem, caixa postal.
O jeito seria escrever uma mensagem de texto.Começo a escrever: 
Tyler,
Me ajuda eu estou presa,aqui, igreja.
Bastian... 
O celular avisava que estava descarregado.
Teria que ser enviado daquele jeito.
Pressiono enviar.
Não foi. Tento outra vez. Na última tentativa consigo, consigo, porém, o celular se desliga.
Merda!
—O que você vai fazer? —Bastian, perguntou a Valerie.
—O que você acha?Arrombar a porta! —exclamou ela.
Meu tempo estava acabando...
Olho minha bolsa e procuro pelo Colt. Reviro a bolsa e encosto em algo frio,de metal.
Eis o Colt.
Estava preparada.
Primeira investida. Um baque na porta.
Nada acontece, nenhum móvel se move.
Segunda investida e um pouco mais forte. Os móveis estremecem e afastam-se um pouco da porta...
Na terceira tentativa estaria frita...
Engatilho as balas na arma.
Posiciono meu dedo no gatilho. Olho pra minha mãe que parecia uma demente.
—Mãe, desculpe... —digo com lágrimas turvando meus olhos— Te amo...
Terceira investida. Dessa vez, Valerie unira todas as forças dos outros dois ataques em uma só.
Ela consegue afastar os moveis e derrubar a porta. Uma nuvem densa de poeira é levantada.
Meus dedos estavam preparados para atirar.
Bastava ela se aproximar...
Mas não conseguia enxergar nada com aquela poeira me turvando a visão.
Apesar disso eu podia sentir uma respiração. Uma respiração arquejante. Qual estava a centímetros de meu rosto.
A nuvem de poeira foi abaixando...
Eu sabia que ela estava naquela saleta...
Meu dedo indicador a qualquer momento puxaria o gatilho e...
Quando não havia mais pó lá estava ela de cócoras, bem perto do meu rosto, com aqueles olhos vermelhos.
Meu corpo estremece...
Porém, não havia tempo para estremecimento. Tinha que puxar o gatilho apenas...
Valerie me encarava quando puxei o gatilho... E nada aconteceu...
Puxo de novo o gatilho...
Não, não podia ser...
Puxo, de novo e nada...
O Colt emperrara!
Valerie agora tinha um sorriso de orelha a orelha no rosto.
Estava perdida...

CONTINUA

A HORA DOS LOBOS Cap.8

 raffael petter blog

8.O Último Pôr-do-sol
Estávamos sentados um em frente do outro. Rosto a rosto. Ele serviu um pouco de vinho tinto em minha taça e depois fez o mesmo na dele.
Depondo a garrafa de vinho na mesa, ele diz:
—Então... Pode me perguntar o que você quiser...
Começo com uma pergunta que queria ter a resposta a muito tempo:
—Bastian é mesmo o seu irmão?
Por um momento os olhos de esmeralda dele turvar-se ,transformando-se num verde escuro,quase preto.Ele agita um pouco a taça fazendo com que o liquido dentro dela se agitasse. Em seguida o ingere.
—Sim. Infelizmente, ele é meu irmão...
—Como isso é possível? Você não me disse que era um lobo?Então, como você pode ter um irmão vampiro? —pergunto. Aquela pergunta estava martelando em minha cabeça desde o último dia em que havia nos encontramos.
—É o seguinte: me pai é um caçador de criaturas das trevas. Logo, ele se apaixonou primeiramente pela minha mãe, que era um lobo e depois pela mãe de Bastian.
—Mas criaturas assim podem engravidar? —interrogo em minha total ignorância.
—Na verdade não... —respondeu ele na maior paciência do planeta.
—Então como vocês foram concebidos?
—Minha mãe fora transformada, com poucas semanas de minha gestação, tão logo o sangue de lobo corria em meu corpo. O mesmo aconteceu com a mãe de Bastian. Antes que ela descobrisse que estava grávida, ela fora mordida por um vampiro.
 —Agora entendo... Cara, parece até o enredo de um filme...
Digo levando a taça em minha boca e bebericando um pouco do vinho. Aquilo explicava muita coisa...
—Você está bem? —pergunta passando a mão dele sob a minha. No instante em que aquela pele macia tocou suavemente sobre minha mão, eu me arrepiei totalmente. Era como se houvesse tomado um pequeno choque.
—Sim. Estou... —digo fitando aquele par de esmeraldas, que se chamavam olhos. —Agora você tem o direito de me perguntar qualquer coisa que queira.
—Por que Peba City? —perguntou ele sem hesitar.
—Boa pergunta... Na verdade, a culpa de eu estar aqui em Peba City não é minha. E sim de meus pais. Aliás, do meu pai. É que uma vez quando mamãe eu mamãe saímos juntas para fazer compras no shopping, nos deparamos ao voltar para casa, com meu pai se amassando com outra. E o pior de tudo era que ela tinha idade para ser minha irmã... Em suma, tivemos de vir para cá, por causa disso. Mamãe queria recomeçar, dar um restart na vida, sabe...
—No meu caso foi um pouquinho pior— começa ele— assim que eu nasci papai teve que matar minha mãe. Teve de meter uma estaca feita de prata em seu coração, ela nem teve tempo de me ver...
—E como você sabe? Pois ma época você devia ser só um recém-nascido...
—Foi minha babá, quem me contou quando eu tinha idade suficiente. Anastácia cuidou de mim e Bastian desde que éramos bem pequenos, inclusive fora ela que nos amamentou. Anastácia nos vigiava enquanto papai não estava em casa, quando ele estava caçando...
—Você queria ter a conhecido? —pergunto, me arrependendo em seguida.
—Qual o filho que não gostaria de conhecer a mãe ou o pai? —disse ele.
Ficamos por um momento olhando o sol alaranjado se desmanchar no horizonte, emprestando ao céu um tom de laranja escurissímo. A brisa começava a se tornar uma ventania gélida e afiada.
Estava na hora de eu ir se eu quisesse preparar tudo a tempo.
—Podemos ir? —pergunto.
—Podemos— responde.
 Olho para todas aquelas coisas em cima daquele pedaço de rocha bem no meio daquele lago, me perguntando o que iria acontecer com elas, se alguém mais tarde as recolheria.
E como se ele pudesse ler mentes.
—Não se preocupe, mandarei vir buscá-las.
E, como se fosse à última vez que o visse ,despeço-me do lindo pôr-do-sol que se derretia no horizonte.
                            ***
Quando cheguei à porta de casa, tive a errônea impressão de que tudo estava como antes. Minha mãe sã e salva na sala quente e aconchegante de nossa casa, lendo algumas causas trabalhistas.
Porém, logo esse pensamento desvanece de minha mente. Aquilo não podia ser real, não mesmo. A luz amarela da sala fora eu que havia deixado ligada.
Suspiro e giro a maçaneta da porta abrindo-a, sentindo uma atmosfera de tristeza me possuir...
                              ***
Já no meu quarto, sentada em minha cama, fico a relembrar aqueles beijos quentes e vorazes que Tyler me dera. Quando o beijava era como se o mundo não mais existisse. Era como se fossemos transportados para um mundo somente nosso, onde não há quaisquer interferências.
Havia trocado o vestido por uma calça jeans escuro e uma camiseta branca de gola vê.
Dou uma última olhada no visor do meu celular.
Onze e meia da noite.
O tempo pareceu ter voado. Realmente, aquele ditado que diz que os melhores momentos devem ser vividos com intensidade, pois eles são muito fugazes, aplica-se ao meu caso. Vivi cada instante ao lado daquele que amava como se fosse o último. Bebi cada segundo ao seu lado com extremo prazer, como se cada beijo fosse o último gole.
Chequei a minha bolsa de caveira pela décima terceira vez.
Sim. Estava tudo ali.
Respiro fundo numa tentativa de relaxamento— do que não adianta nada. Tava muito nervosa. Meus nervos estavam em frangalhos. E se não desse certo?E se algo acontecesse a minha mãe?
Se algo acontecesse a ela, com certeza, não me perdoaria. O que iria fazer, não tinha espaço para erros. Um passo em falso e já era.
Morte na certa.
Dou uma última olhada na sala. Poderia sair viva ou morta.
Mas morreria tentando.
                                ***
O meu único meio de transporte eram meus pés. Não havia carro, nem bicicleta. Só meus pés.
Não podia correr o risco de por a vida de mais uma pessoa em perigo, além de arriscaria a minha e da minha mãe.
Ia caminhando pelo lado direito acostamento, ao lado da floresta escura e selvagem. Floresta que emitia os sons noturnos e arrepiantes. A minha caminhada era solitária, iluminada apenas por postes pontuais, que apareciam de cinco a cinco metros.
A antiga igreja luterana ficava próxima. Era uma antiga construção, que tempos atrás era muito freqüentada, por alguns habitantes, que com tempo fora decaindo até que não sobrasse quase nada, apesar de sua estrutura ainda agüentar firmemente. Havia aprendido sobre, na aula de história, que impressionantemente, consegui me manter acordada— o que era algo raro.
Sentia-me feito um Dom Quixote, uma amazona andante que caminha em direção a gigantes, cujos, sem saber, não tinha forças suficientes para enfrentar.
                              ***
A lua branca cintilava belamente no céu como um globo de prata. Formava uma verdadeira antítese em relação à igreja decadente que parecia ter saído de alguma parte sombria do inferno.
Minha respiração estava ofegante. Meu coração batia rapidamente e com muita violência. Minha pele estava toda arrepiada, meu queixo tiritava de frio.
Encontrava-me no enorme pátio da igreja. A minha frente, uma escadaria de cimento estendia-se até a porta de madeira que estava entreaberta. Uma luz amarelada e bruxuleante saia de dentro dela.
Vou subindo os degraus de cimento gastos e escorregadios com meu coração na mão. De súbito, as minhas mãos começam a suar, era o que sempre me acontecia quando ficava nervosa.
“Não posso desistir, não agora!”, repetia mentalmente. Tinha que fazer aquilo, por mim e pela minha mãe.
Antes que pudesse pisar no último degrau da escada e consecutivamente empurrar a grande porta de madeira, duas garotas se materializam em minha frente. Pisquei duas vezes os olhos pra ver se o que via era verdade.
—Olá, você deve ser o novo brinquedinho de Bastian... —diz a garota da esquerda, de cabelos negros e ondulados. Ela era morena, tinha rosto redondo e usava um batom vermelho que lhe marcava muito os lábios, deixando-a com um ar vulgar.
—Você trouxe alguém? —perguntou a outra, uma de cabelos ruivos cenoura, que parecia ser menos inteligente ou mais lenta. Ela tinha um rosto oval, olhos feitos amêndoas de cor de chocolate e lábios pequenos.
—Lógico que não trouxe Beverly! —disse a garota morena dando um beliscão —Se não a mãe dela já  estava esquentando cova...
Tive o breve ímpeto de meter a mão na cara dela, porém me controlo.
Podia guardar minha mão para mais tarde, para lhe enfiar uma estaca em seu coração.
—Onde ele está? —pergunto.
—Está lá dentro... —reponde Beverly.
—Então, o que estamos fazendo aqui?—digo.
Antes que eu pudesse começar a andar na direção da igreja, alguém me desfere um soco.
Mas ainda pude ouvir:
—Lizzy, precisava disso tudo? — dizia Beverly.
—Não. Mas ela mereceu. Ela chegou se achando a princesinha Disney— disse depois rindo— Agora me ajude a levá-la pra dentro...
Depois, não consegui ouvir mais nada.

 

CONTINUA

sexta-feira, 15 de março de 2013

O Lago Amaldiçoado



—Onde estamos Bilie? —pergunto ao meu namorado.
—Só mais um pouquinho querida... Só mais um pouquinho... —responde ele.
Ah tá!
Como assim mais um pouquinho?
Eu estava morta de curiosidade. A vontade que eu tinha era a de arrancar a venda negra que me cobria os olhos e descobrir em que meu maravilhoso namorado estava me levando.
Tento desvendar o lugar em que estávamos por meio de meus outros sentidos. Contudo, não consigo descobrir nada.
—Cuidado com o degrau querida... —avisa Bilie, me segurando com mais força, num visível sinal de cuidado. Em todo o momento ele me guiara.
Guiara-me até aquele ponto.
Em principio, no carro, manteve-se, misterioso, dizendo que o lugar onde estava me levando, eu iria gostar muito. E já fora do carro — e muito bem vendada — meu futuro marido começa a me conduzir;
No decorrer do caminho, tropiquei várias vezes em pedras e buracos, que se tornaram pra mim como que invisíveis. Quando tal acontecia, eu lhe dava um tapa no ombro e um belo dum belisco no braço.
Ninguém manda me por em roubadas.
Obedeço.
Tomo cuidado com o degrau.
Em pé numa superfície, que para mim, desprovida de visão, não passava de algo flutuante e feito de madeira, eu tentava me equilibrar.
—Onde estamos Bilie? —pergunto novamente, tentando encontrar um ponto de equilíbrio com o salto agulha que estava usando.
—Só mais uns minutinhos... Agora se sente, por favor  —disse ele fazendo com que me senta-se no banco de madeira.
Aquilo já estava me irritando.
Começo a contar, ovelhas mentalmente... Era um exercício pratico que a professora de Ioga ensinara. A cada carneirinho contado tinha de se expirar...
Aquilo em que estava sentada, com certeza, tratava-se dum barco. Isso foi confirmado assim que Bilie começar a produzir um som de movimento na água, isto é, ele devia estar remando deslocando o barco do píer.
Estaco imediatamente a contagem dos carneirinhos.
 Não, aquilo não podia ser verdade!
—SE EU ME MOLHAR EU-TE-MATO! —berro.
—Não se preocupe... Já chegamos.
Bom para você, digo para mim mesma.
                                ***
Bilie põe-se safadamente atrás de mim, fazendo com eu pudesse sentir sua respiração ofegante tocando minha nuca.
—Preparada? —sussurra em meu ouvido.
Sorrio e aceno.
E então me liberta daquela cegueira momentânea.
De inicio os meus olhos ficaram atônitos, com a forte claridade que provinham do ambiente. Eles demoraram um pouco a se habituar a luminosidade amena do lugar.
Fiquei piscando o olho feito uma boneca assassina enlouquecida durante muitos segundos.
—Que lugar é esse, Bilie? —pergunto pela terceira vez.
—Adivinha? —provoca ele, levantando a sua grossa sobrancelha esquerda o que lhe acentuava ainda mais, o ar irônico, que tinha estampado no rosto. Bilie era moreno com olhos castanhos claros, beirando um tom de mel e um cavanhaque cujo lhe contornava o belo rosto quadrado e aristocrático.
Procuro com olhos, me lembrar do lugar onde estávamos... Bem estávamos no que parecia ser um lago, cujo era ladeado por m bosque verdejante e denso.
Nesse instante, um negro corvo cortava o céu azul com um crocitar alto e macabro... Aquilo não era um bom presságio...
Olho bem para cara dele e digo:
—Estamos num lago?
—Bingo!Ponto! —responde ele com ar zombeteiro.
Detestava aquele tom que ele usava.
—Que lago é esse em que estamos? —pergunto, pois em Peba City existia, pelo menos, uns quarenta e cinco lagos registrados. Inclusive, a casa onde eu morava havia um lago. Meu pai havia comprado o terreno juntamente com ele. Tinha pagado uma verdadeira fortuna pela propriedade.
Mas como aquele não era a minha casa e nem meu lago...
—Que lago é esse Bilie?
—Vamos, Patricia! Adivinhe!Você está se saindo tão bem...! —diz acidamente irônico.
Aquilo definitivamente me deixa maluca de raiva. O modo como ele falava... O tom excessivamente lacônico da sua voz linda me deixava totalmente exasperada e ao mesmo tempo apaixonada.
Acho que quando o conheci eu fui flechada com o complexo do cafajeste.
Isso não tinha duvidas. Só isso poderia explicar os dois anos de namoro que vínhamos construindo.
Vendo que eu estava de cara emburrada com aquela resposta que havia recebido meu namorado anuncia:
—Estamos no velho Lago Negro...
—Oi? —pergunto rapidamente como se não houvesse entendido direito as palavras que acabara de ouvir. De chofre, um repentino arrepio serpenteia toda a minha coluna. Meus pelos estavam todos em pé.
Aquilo não poderia ser verdade. Não mesmo...!
—Estamos no velho Lago negro... —repete tentando imitar horrivelmente a voz duns daqueles antigos locutores de radio novelas.  
Não acreditava.
Simplesmente não podia acreditar.
—Bilie, fala sério cara!Onde estamos? — pergunto novamente, só que desta vez, beirando a histeria. Aquelas brincadeiras infantis já estavam começando a me irritar.
O encaro.
Aquilo não tinha e não podia ser verdade.
Bilie me dá um sorriso sacana.
—É sério Patricia, aqui é o Lago Negro, olhe a água... —diz apontando com o remo de madeira para a água negra e turva, cuja qual, não parecia mais ter vida. Aquela água escura sem brilho parecia não ter mais vida alguma, peixes deviam ter deixado de existir ali, há muito tempo.
—Mas isso é impossível — contesto incrédula num tênue fio de voz — o Lago negro havia sido fechado há muito tempo...
—Ah, isso é do passado... O lago já está livre do ácido...
—Mesmo assim... eu não gosto deste lugar...Ele imana uma vibe sinistra... —digo massageando os braços, tentando aquecê-los dum súbito calafrio.
—Para de ser boba esse lugar está seguro— disse Bilie erguendo-se do banco onde estava sentado, com os braços estendidos para o seu feito uma réplica do Cristo Redentor.
 —Boba nada, esse lugar tem uma energia ruim... Eu sinto... E você sabe muito bem porque estou falando isso...
—Sei muito bem do que você está falando... E isso é culpa daqueles livros esotéricos do Paulo Coelho que tanto você lê... —retruca atrevidamente.
Aquilo não tinha nada a haver.
Aquele lago negro transpirava tristeza. Também não era para menos, o que acontecera naquele dia...
Há uns vinte e cinco anos atrás, numa tarde calorenta de setembro, banhistas preparavam-se para a grande gincana de natação que haveria naquele lago. Lago que antes era verde e cristalino, qual na época se chamava Lago da Euforia.
Todos irradiavam alegria.
Sobretudo, os jovens e crianças que haviam treinado o ano todo para a grande apresentação daquele dia.
O que havia acontecido no lago iria se se tornar uma verdadeira lenda, qual se imortalizaria, no balcão dos bares, nas mesas dos restaurantes e ao redor das fogueiras de acampamentos. Logo o fato tornara-se a lenda mais recontada pelos habitantes de Peba City, aos turistas que aqui chegassem.
Todavia, todos os que a ouviam pela primeira vez ficavam chocados.
Também, não era para menos...
Os nadadores tinham que chegar ao meio do lago e depois retornarem imediatamente a margem deste.
Os três primeiros que chegassem, seriam considerados vencedores e com isso ganhariam uma pequena soma em dinheiro.
Tão logo os participantes estavam posicionados. Dão a alargada com o som sonoro duma buzina. Ambos disparam feitos golfinhos sob a água verde oliva.
Os pais, tios e parentes torciam energicamente, vibravam da margem empunhando cartolinas com nomes dos nadadores. Esgoelavam-se, incitando os participantes a avançarem cada vez mais.
Em dado momento, várias crianças chegaram juntas a metade do lago. Obviamente, que o tempo de chegada entre elas variava. Passaram-se, alguns minutos até que todos os participantes estivessem chegados ao mesmo ponto.
E foi então que uma cena chocante passou-se a se desenrolar diante dos olhos daqueles pais que nunca mais conseguiriam esquecê-la.
De súbito, as crianças e os adolescentes começam a gritar. Bradavam por ajuda. Gritava em desespero, que seus corpos queimavam e que não conseguiam mais sentir os pés...
As pessoas rapidamente se comoveram. Pais, parentes ou até mesmo amigos, em estado de angústia, pulavam dentro de botes verde-limão para socorrer as vitimas que berravam por socorro.
Porém, antes que estes chegassem ao ponto do fatídico acontecimento, o barco destes começa a derreter.
Seria aquilo o que eles estavam pensando?
—Corra, isso daqui é ácido! —anunciara alguém de seu bote. O que fez com que todos os ocupantes dos outros botes pulassem e começassem a nadar em direção da margem do lago.
Não podiam fazer completamente nada a não ser assistir. Aliás, a única coisa que eles podiam fazer era assistir a seus filhos derreterem na água, sentir o cheiro de carne apodrecida cozinhando no ar e chorarem pela perda. Muitas mães, avós e namoradas choravam escandalizadas.
O lago fora interditado. Fora chamada a policia e a pericia constatara que o que causara aquele terrível acidente foi uma grande concentração de ácido sulfúrico na água.
Imediatamente as pessoas se perguntaram como aquilo veio acontecer. Alguns se passaram meses, mas sem que os corações daqueles que perderam alguém pro lago houvessem se esquecido do fato.
Queriam uma resposta, mais que tudo queriam um culpado. Então, logo se descobriu o culpado.
Gilbert Chemical, um grande empresário, dono duma empresa química que produzia medicamentos para aquela pequena cidade, confessara que havia sido um de seus funcionários que havia despejados tonéis de ácido na água.
Só que o funcionário acusado de fazer tal ato revela que o havia a mandato de Gilbert Chemical, que fora temporariamente preso e depois liberto.
Os familiares sabendo de sua saída uniram-se para depredar a empresa de Gilbert, fazendo com que ele e sua mulher saíssem da cidade.
Essa história havia sido contada tantas vezes que eu a decorara.
Aquele acidente era algo inacreditável.Como era inacreditável eu estar ali.
—Não acredito que você me trouxe aqui!Você só pode estar bêbado!
—Hei gata vai com calma... Não tem perigo algum... Não tem, mas perigo já disse...
O que ele havia dito era verdade. Porém, aquele lugar continuava fechado.
E algo me dizia que eu não deveria estar ali, podia sentir que algo muito esquisito estava prestes a acontecer.
—Vamos embora? —digo.
—Por quê? —pergunta ele com um sorrisinho no rosto.
—Porque sim! —respondo.
—Ah, não vai me dizer que você está com medo por causa daquela lenda...
—Não, é que eu não gosto desse lugar, Bilie. —disse olhando em minha volta. —Ele é muito morto, muito triste...
—Tá. Vamos sair daqui, mas antes preciso te dar uma coisa... —diz ele mexendo no bolso interno de sua jaqueta jeans azul.
—O que é? —pergunto curiosa.
—Isso daqui... —diz ele estendendo uma caixinha quadrada de veludo preto.
Pego a caixinha.
Seria o que estava pensando?
Não podia ser...
Abro caixa.
—Você aceita a se casar comigo Patricia Batista Oliveira? —diz meu futuro marido, em tom solene, quando abri a caixinha de veludo.
Ah, que lindo!
Então tudo aquilo fora uma desculpa — mesmo sendo péssima — para me pedir em casamento. Ponho o anel no dedo: um anel de ouro branco com uma pedra vermelha, que se não estivesse enganada era um rubi.
—O que você me diz? —pergunta ele começando a ficar preocupado. Olhava para mim como uma criança e gulosa que visse a mãe com um pedaço grande de bolo de chocolate.
—Aceito— sussurro.
—O que você disse? —pergunta como se não tivesse escutado.
Então repito:
—Eu disse que aceito!
Bilie dá um grito e num pulo joga-se em mim ,estalando em minha boca um beijo saboroso e demorado.
Depois de nos desgrudarmos pergunto:
—Agora podermos ir embora?
—Podemos—responde ele pegando nos remos.
O sol começava a se derreter no horizonte, deixando lanhos rosa no céu que começa escurecer. Um vento frio e cortante cortava o lago, trazendo consigo o crocitar distante e agourento de algum corvo. De imediato, meu corpo começou a sofrer uma onda de arrepios.
Bilie tira a blusa dele e a dá para mim.
Visto-a.
 Contudo o frio que sentia não passou. Aquela frialdade parecia atravessar por entre minha alma.
Começo a tiritar.
Olho a mina volta.
Parecia que estávamos no mesmo lugar.
Não que conseguisse ver muita coisa, pois uma densa neblina havia tomado de conta de todo o lugar.
—Bilie estamos perto?
—Acho que sim querida... —diz numa voz que demonstrava o quão estava cansado. —Há, algo de errado... Deve de ter alguma coisa prendendo os remos, pois eu remo, remo e nada de sair do lugar!
Viro-me e olho na direção da água perto dos remos imersos, para ver se encontrava o que estava prendia os remos.
—Não há nada aparente, não... —respondo.
Ele tenta mexer os remos que minutos antes se moviam — mesmo que vagarosamente.
Nada.
Era como se algo os segurasse.
—Vou ter que pular pra ver o que é amor... Senão vamos ficar aqui a tarde toda.
—Tem certeza que você quer fazer isso? —pergunto pesarosa.
—É o único jeito... Agora tome meu lugar, porque os remos podem cair...
Juntos levantamos. Ele me dá um selinho e depois salta para a água negra. Prontamente assumo ao seu lugar nos remos.
A tarde finalmente cedera, o lugar à noite. O céu estava sem estrelas, porém uma linda e rechonchuda lua resplandecia lá em cima. A lua cheia estava tão grande que iluminava todo o barco com sua luz prateada. Era como se ela fosse um farol gigantesco e natural.
Fazia dois minutos que Bilie havia pulado dentro daquela água negra e fria. Ficava preocupadíssima a cada segundo que passava.
Quando ia gritar ele submerge da água. Sem pensar puxo-o para dentro do barco.
Ofegava ruidosamente.
—Conseguiu descobrir o que era...?
—Não... Mas vi uns vultos na água... Pareciam-me ser peixes.
—Impossível... Os poucos peixes que havia no lago desapareceram—digo.
Por um breve momento ficamos nos encarando, procurando, nos olhos de cada um uma resposta plausível para aquele mistério.
—Então, tá... Vamos tentar de novo... —diz assumindo seu lugar de remador.
Mas não adianta. Bilie remava, remava e nada acontecia. Boiávamos no lago sem nos movermos.
—Não seria melhor ligarmos para alguém? —pergunta ele.
—Você está com o seu celular? —perguntei.
—Não... E você?
—Também, não — aceno negativamente.
Literalmente, estávamos ferrados. Nossos celulares deviam estar no carro.
—Então o único jeito será nós irmos nadando até a margem do lago... —sugere, batendo os dentes de frio.
Olho acima do ombro de Bilie que sentado a minha frente estava e procuro pela orla do lago.
Nada além de uma densa nevoa.
O que fazer...?O único mesmo seria ir nadando.
Neste meio tempo em que preparávamos para mergulhar, algo bate fortemente contra o casco do barco. Se não tivéssemos nos segurado teríamos caído no lago.
—O que foi isso? —sussurro pro meu namorado, que a esta altura empunhava um dos remos, deixando que o outro afundasse na água.
—Não sei... —responde no mesmo tom.
Podia ouvir o meu e o coração dele saltarem assustadoramente no peito. O suor escorrendo em gotas grossas encharcando a camiseta e os nossos lábios dementes tremelicando sob o efeito cruel do frio que parecia estar a zero grau.
Nem meia hora havia se passado, quando num rompante algo tromba no casco do barco.
Levanto-me. Ficando ao lado de Bilie. Encosto minha cabeça em seu forte peitoral e molhado.
O que seria aquilo? Alguma espécie de animal faminto?
Não tínhamos como saber até que mais uma vez o casco do barco sofre outro encontrão. O intervalo entre as batidas ia diminuindo rapidamente.
O que é que fosse aquilo, estava planejando avariar o barco, causando-lhe um furo, por qual este afundaria aos poucos. Ou ele queria que entrássemos em desespero e pulássemos logo dentro da água?
Estava confusa e com muito medo.
—O que vamos fazer? — questiono aflita.
—Esperar... O casco deste barco é reforçado em aço... Ele é muito resistente...
Queria saber até quando ele resistiria...
                                 ***
De chofre, silêncio.
Silêncio.
O mais puro e angustiante silêncio. O tipo de silêncio que precede uma ação final.
Fatal.
Em meio, o silêncio, penso estar afogada num pesadelo, um pesadelo real e desesperador, qual não houvesse o alarme do meu celular para me fazer despertar.
Um som. Um grunhido, que desfaz a redoma de silêncio que havia se criado. Súbito minha pele úmida se eriça.
Depois, viera o cheiro, aquele cheiro esquisito de carne podre se decompondo ao sol entrando em minhas narinas e revirando meu estomago do avesso como se estivesse dentro duma máquina de lavar.
—O que é isso? —sussurro ao ver aparecerem sob a borda do barco quatro dedos amarronzados. Bilie olha pra mim e pro remo que segurava. E no mesmo instante entendo o que faria.
Ele aproximou-se dos dedos e num único golpe os decepou, fazendo com que uma coisa guinchasse de dor.
Silêncio outra vez.
Nossos corações palpitavam, nossos pulmões inflavam descompassadamente, num ritmo frenético. Não havia como fugir daquilo.
Viro meu rosto na direção do de Bilie murmuro:
—Eu te amo...
—Eu também... —responde ele.
E no instante seguinte o barco começa a ser chacoalhado, como se fosse uma lata de sardinha no oceano. Por fim, o barco acabou virando, jogando-nos na água.
                                ***
—Bilie??Onde está você? —berro tentando-o procurá-lo naquela nevoa desgraçada. Arfava, pois meus pulmões pareciam ter encolhido.
—Patríciaaaa!!!!!
Sim, aquela era voz dele. Tento nadar na direção dela.
—Onde você está? —vou gritando à medida que vou retomando o fôlego para continuar a nadar. No entanto, se pudesse ver as estrelas, ou a lua pelo menos, para tentar me orientar.
Nada. Nenhum sinal da voz daquele que deveria ser meu marido.
—BILLIEEEEEEEEEEEEEEEEEE, ONDE ESTÁ VOCÊÊÊ?? —grito fazendo com minha voz ecoasse. Começo a chorar.
Por quê? Por quê?
Não tive tempo de obter respostas. Sou puxada por mãos esqueléticas como algemas para o fundo da água. Debatia-me inutilmente na água, numa tentativa falha de tentar ser libertada. As mãos me puxavam cada vez mais para as profundezas do lago...
O meu oxigênio esvaia em bolhas do meu pulmão... Não conseguia respirar direito... Viro-me para ver quem me puxava...
E minha boca em formato de um O abre-se, horrorizada com que via...
Não, o que era aquela coisa?
Não, não, não...
Não havia mais ar meus pulmões. Minhas pálpebras como velhas cortinas encerram-se pesadamente sob meus olhos...
Não vejo mais nada...
                                ***
Acordo com a luz do dia afogueando meu rosto. Apesar de sentir meu corpo totalmente molhado. Que estranho, parecia que eu havia tido um pesadelo...
Olho a paisagem a minha frente.
O lago. Um barco virado de borco.
E começo a sufocar. Não. Não. Aquilo não podia ser... Aquilo não... Começo a ter um acesso de tosse. Lágrimas grossas e salgadas escorriam pelas maçãs do rosto indo parar em meus lábios.
Não podia. Acreditar. Naquilo.
Billie estava morto...
                                   ***
Andava desolada pelas margens do lago em busca do corpo de Billie...
O anel que ele me dera cintilava em meu dedo. Mas havia outra coisa em meu campo de visão que brilhava.
Corro até o objeto que jogado na terra úmida e escorregadia.
O pego.
Era uma carteira de identidade. Que tinha o seguinte nome:
Norton Billie Chemical.
 
Um grito fica preso em minha garganta.