sexta-feira, 7 de junho de 2013

CRÔNICAS DE UM VAMPIRO - 2

raffael petter blog

2. Família e a galinha
Não tive coragem de voltar ao pub e dar a notícia a aquela pobre mulher. Apesar de saber que eu ouviria da Marieta, preferi fingir uma dor de cabeça a enfrentar aqueles olhos esperançosos e suplicantes.
Além de que, quando a delegada da cidade chegara, o dia começava a nascer. O que quer dizer que eu precisava ir para minha casa o quanto antes; não voltar para um caixão como muitas pessoas estão acostumadas a ver em filmes de terror (ainda que os filmes de terror ultimamente mais nos provocam risos do que medo).
A casa onde morava ficava nos confins de Peba City, era um bairro de casas antigas, onde a maioria de seus moradores eram pessoas já um tanto velhas.
Algo me dizia que eu teria uma grande surpresa quando chegasse em casa. Se o que eu estivesse pensando fosse realmente verdade eu encontraria o dono do crucifixo que segurava em minhas mãos na minha casa.
Paro em frente à porta antiga de madeira toda entalhada com desenhos orientais de dragões e samurais... Ponho a chave enferrujada na fechadura... A chave entra com tanta facilidade que percebo que era porque a porta já estava aberta...
Empurro-a...
***
Sou recebido com estas palavras:
—Mano... Quanto tempo! — disse Ferdinando me abraçando alegremente e me beijando no rosto.
Podia sentir a falsidade de Ferdinando exalar pelos poros.
Então era verdade...
Olho bem para cara dele.
Meu olhar frio deve ter-lhe causado algum tipo de reação, pois o sorriso que trazia no rosto, murchou no mesmo instante.
— O que você quer? —perguntei raivoso. —E como você me achou? — disse entregando a pequena insígnia de cruz a ele.
— Ah, isso... — disse ele como se houvesse encontrado algo sem muita importância.
—Então...?
— Você não acha melhor conversarmos num lugar onde a luz não interfira,mano?
Realmente, ele estava certo, faltavam poucos minutos para que o sol surgisse no horizonte.
— Tá. Vamos pro porão...
***
—Comece—digo jogando minha mochila em cima duma poltrona vermelha. Estávamos no porão, que não parecia bem um porão.
Bem era um porão...
Mas diria um porão de requinte...
Uma cama com dossel de cerejeira, sofás de estampa e um tapete perca cobria boa parte do chão. Havia também três estantes dispostas uma do lado da outro a direita onde se podiam encontrar os livros de escritores alemães, inglês e brasileiros.
—Que apê maneiro... — disse Ferdinando sentando-se folgadamente em minha poltrona vermelha como se estivesse em sua própria casa.
Como não sorri para tentativa frustrada dele de me conquistar com aquele “elogio”, logo ele começou:
—Não foi culpa minha, sabe... —começou falando como se fosse mais puro do mundo — Faz dias que eu não me alimentava, então encontrei com aquele casal... E...
— E decidiu se alimentar do marido, certo?
— É... Eu queria ter me alimentado do sangue da moça mais ela fugiu logo... — falou ele como se estivéssemos tendo a conversa mais prosaica de todas.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei me sentando no sofá estampado com motivos pré-históricos.
Sentava de frente pra ele.
Pude ver quando aqueles olhos azuis como o céu mudara para um azul escuro como o mar em dia de borrasca.
 — Papai me mandou...
— O quê? — perguntei surpreso.
— O velho me mandou vir atrás de você... —repetiu sem desgrudar os olhos do crucifixo.
—Pra quê?Não tenho mais nenhum laço com aquele homem... — respondi rispidamente. — O que ele quer?
— Ele quer se reaproximar dos filhos...
Começo a rir. Não um riso de alegria.
Um riso de raiva.
Ódio mais precisamente.
— Você só pode estar brincando... Diz que é uma piada!Uma pegadinha sem graça!
Ele olhou pra mim e eu para ele.
Não; não era uma piada.
—Ele quer que a gente volte a ser uma família unida como éramos no passado... —eu ia o interromper, mas ele continuou. — O velho está completamente, mudado...
— Virou vegano? —zombei.
—Não. É que desde que ele conheceu Zaya ele não é o mesmo vampiro; ele está mudado, muito mudado mesmo...
  — E ele quer que eu volte pro Rio Grande do Sul?
  —Não.
  —Então o que ele quer?
  — Ele quer que você o receba, aqui...
Antes que eu pudesse redargüir meus olhos foram ficando pesados...
Não, não agora...
Meu coração desacelerou a tal ponto que minha audição ultra refinada não conseguia ouvi-lo mais... Meus músculos do corpo foram se enrijecendo, perdendo momentaneamente a vida...
Por fim, meus olhos cerraram-se como cortinas de um teatro quando se fecha terminado o espetáculo...
Olhei pro velho relógio de pêndulo perto da escada, já amanhecia...
A morte me abraçava.
***
Quando abri os olhos, sabia que a noite chegara e a morte havia ido embora.
Estava sentado no mesmo sofá que horas atrás havia iniciado uma conversa com Ferdinando.
  —O seu pai não está pensando em vir para cá ou está?  —perguntei chacoalhando-o na poltrona vermelha o que fez que ele acordasse assustado. 
  — Isso é jeito de me acordar, mano? — disse ele esfregando as mãos na cara amarfanhada como se tivesse acabado de levar um balde água fria na cara.  —Sim, tá. Ele vai vir hoje...
  —Como ele pôde?
   — Ele já deve estar perto.
   —Você tem o número dele? — precisava dispensá-lo de algum jeito.
  —Não; ele não tem celular...
Havia me esquecido de como aquele vampiro era tão jurássico.
  — A gente vai comer o quê?—perguntou erguendo as sobrancelhas como se estivesse em um hotel ou resort.
  —Tem sangue de vaca, na geladeira.  —minto.
  —Eca!Você toma isso? —disse fazendo uma careta de repulsa.  —Prefiro sangue fresco e humano...
  —Então, se você der licença...
  —Toda — rebateu levantando as mãos. Depois começara a subir as escadas em direção da noite sem estrelas.
***
Quando cheguei ao pub, foi recebido com a seguinte frase:
—Onde você se meteu ontem à noite?
Perguntava Marieta, como um corvo velho. Usava um vestidinho preto com um casaco de mesma cor por cima.
—Casa? —digo irônico.
—Mas o seu expediente...
Antes que ela pudesse continuar a ladainha fui salvo por Amanda que me chamava.
—Obrigado...
—De nada... Agora comece a lavar os pratos.
Havia uma pilha imensa de pratos sujos em cima da pia de alumínio. Eu havia pensado que o pub não tinha sido aberto, mas pelo visto tinha me enganado.
—Vocês tiveram de continuar ontem? — pergunto virando o rosto para Amanda que frigia hambúrgueres na chapa.
—Onde você esteve? — interrogou.
Tive de pensar rápido.
—É que minha família chegou, então sabe como que é né?
—Ah, sei não... Não tenho família... —disse ela num tom soturno.
—Como foi aqui ontem?
Ela suspirou balançando a cabeça rosa e disse:
—Um inferno!Imagine dois funcionários tendo de dar conta de várias mesas e ainda por cima ter de agüentar aquela voz de taquara rachada da Marieta em seus ouvidos, dizendo o que você tem que fazer e como deve ser feito.
Por um breve momento eu me peguei imaginando a cena: Leonardo como garçom tendo de se dividir em várias mesas, com a mulher-corvo atrás dele, bicando e crocitando para ele ser mais rápido e Amanda sendo vez em quando pressionada por Marieta para fritar hambúrgueres mais depressa.
Ainda bem que havia escapado...
—E aquela mulher?
—Nossa você precisava como Marieta a tratava. Ela falava: “Se você for ficar aqui querida, peça pelo menos uma água mineral!” A pobre da moça teve de pedir a água ou ela teria sido expulsa por Marieta.
—E como ela ficou quando soube da morte...?
—Primeiro chorou e logo depois estrebuchou para dizer: “Não vou descansar enquanto não encontrar o desgraçado do assassino do meu marido!”
—Caramba...
Naquele dia teve muito movimento. Talvez fosse pelo fato de que a mulher que teve o marido assassinado esteve ali e com isso todos queriam saber de alguma coisa. Algum fato novo que o fofoqueiro da cidade esquecera-se de lhes contar.
Marieta estava adorando aquilo.
—É hoje que superfaturamos! —falava esfregando as mãos.
Muitas vezes quando fui entregar os pratos nas mesas os clientes me perguntavam: “Você soube de alguma coisa?” ou: “Foi você que o encontrou?” ou ainda: “Ele traía ela e a amante recalcada veio e o matou?”
Uma hipótese mais absurda do que a outra.
Assim que o fluxo de movimento havia diminuído eu voltei para cozinha para começar a lavar os pratos sujos. Amanda falava ao telefone quando o Leonardo entrara me dizendo:
-O seu pai tá te chamando... —disse ele entre risos.
-Oi?—perguntei pensando ter me enganado com o que eu acabara de ter ouvido.
Não, ali não...
-O seu pai tá na mesa sete. Ele quer falar com você... —repetiu ainda rindo.
-Por que você está rindo?—interroguei conforme nos dirigimos para as mesas.
-Olhe... —falou Leonardo apontando na direção da Marieta.
Olhei.
Marieta de cócoras bicava o chão com o nariz e batia os braços no ar como se fosse uma galinha. Inclusive, cacarejava feito uma.
 Eu teria rido. Teria mesmo.
 Se não soubesse quem transformara minha chefa numa galinha.
- Aqui filho! –o ouço gritar da mesa sete.
Avisto meu pai, meus irmãos e a suposta nova namorada dele.
Acena para mim com um sorriso no rosto enquanto Marieta cacarejava, em busca de milho.
 
 
CONTINUA


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