-Lamento... — foram as palavras da médica após anunciar que
meus pais estavam mortos.
A partir daí, emoções em cascata me afetaram. Comecei a rir
e depois a chorar. Não conseguia acreditar, mas logo que os segundos foram
escoando dei de cara com o muro chamado realidade.
Sim, eles estavam mortos e eu sabia tão bem quanto a médica
o que os matara.
Desabei no chão. Lágrimas quentes cortaram meu rosto gelado.
Um enfermeiro de
uniforme azul veio me amparar pondo-me sentada naquela cadeira desconfortável
feita de plástico de hospital.
-Quer alguma coisa?-perguntou-me ele.
-Não- menti com a voz embargada.
Sim, queria.
Queria meu pai e minha mãe de volta, vivos....
***
Aos poucos, o
movimento do hospital foi se desacelerando. Enquanto, sentia o gosto salino das
lágrimas deslizarem pelos meus lábios, vi pessoas sob macas sendo carregadas
por enfermeiros apressados em salvar suas vidas.
Minutos antes, acompanhara meus pais... Segurava as mãos de ambos,
quando partiram para sala de cirurgia. Tentei segui-los, porém a mesma médica
que me dera noticia de sua morte havia me barrado...
Acho que estava desidratada, pois minha boca estava seca.
Levanto e sigo em direção ao bebedouro que ficava num corredor antes da sala de
cirurgia.
Havia pegado no sono? O hospital estava silencioso, vazio...
Algumas luzes haviam se pagado. Deixaram poucas acesas,
talvez, por motivo de economia.
Vou ao bebedouro,
pego dum copo de plástico e o encho até o borco. Bebo toda a água de uma única
vez.
Volto pro meu lugar, encostando dessa vez a cabeça na parede
branca e fico a pensar no que faria de minha vida, uma vez órfã... Como seria
daqui pra frente no dias dos pais e das mães?Sem ter alguém de confiança e de
que você ame para desabafar coisas que nunca diria a outra pessoa.
Suspirei e deixei lágrimas rolarem.
Se não tivéssemos
ficado naquela casa maldita...
Olhei para o curativo em formato de quadrado em meu braço
direito. Sabia que depois de retirá-lo a cicatriz apareceria, ficando ali sob
minha pele como uma tatuagem indesejável.
Se eu tivesse sido mais rápida, mais esperta, talvez ainda
eles estivessem vivos, mas ele era muito forte...
Não sei ainda como consegui matá-lo.
Evitava fechar os olhos, pois o veria em minha frente. Era o tipo de imagem
que se poderia chamar de indelével, inapagável.
De repente, me bateu a vontade fazer xixi. O corpo, enfim,
havia se lembrando de que tinha bexiga e que agora não mais corria perigo.
***
Vou andando pelos corredores caiados e insípidos daquele hospital
em busca de alguém, que pudesse me indicar o banheiro, porém não encontro
ninguém que pudesse me ajudar.
Tive de encontrá-lo por si só. Ficava na ala norte do
hospital (isso se meu instinto de direção estivesse correto). Antes de sair do
banheiro dou uma mirada no espelho dele para ver em que estado me encontrava.
Pior impossível.
Meus cabelos curtos e pretos haviam perdido o brilho. Meu
rosto parecia um pouco mais magro quase cadavérico com alguns lanhos na parte
superior e inferior das bochechas, meus olhos estavam inchados de tanto chorar
e de ficar acordada por tanto tempo.
Em suma, estava um caco.
Preparava-me para deixar o banheiro, quando ouço um grito
gutural de mulher. Próximo.
No mesmo instante o meu coração começou a pulsar
enlouquecidamente. Seria possível?
Não, não seria.
Eu o havia visto morrer!Devo ter ouvido demais...
Giro a maçaneta e ouço o mesmo grito só que dessa vez um
pouco mais baixo só que com a mesma dor plangente na voz do que o outro.
Não... Aquele desgraçado não poderia ter sobrevivido, não
mesmo!
Seguro a maçaneta com a mão direita esperando por outro
grito. Esperei por uns minutos, só que ele não viera.
Invés de gritos ouço, uma voz de mulher desesperada, já
avizinhado a porta.
-Por favor, não me mate!!!—implorava ela. — SOCORRRO!!!
A voz toda dela estava desfeita em dor e agonia.
Era ele...
Mas como...
A maçaneta, de súbito começa girar. Largo ela imediatamente
e me escondo atrás da porta. Prendo minha respiração e tento abafar de alguma
forma como se ele pudesse ouvi-lo, meu coração.
E num rompante, ele entra segurando pelos cabelos loiros uma
enfermeira que se sacudia como um gato preso num saco, numa inútil tentativa de
fuga.
Então, ele havia sobrevivido...
Ponho minhas mãos na boca para silenciar o grito que dela queria
sair. Um grito de ódio e medo.
Precisava sair dali e procurar por ajuda o quanto antes.
Antes que ele...
E antes que eu pudesse sair do banheiro presencio uma
atrocidade: ele a ergue com apenas uma das mãos e começa bater a cabeça dela no
espelho do banheiro...
Ela gritava; ele batia. Ela gritava; ele batia. Ela gritava;
ele batia...
Os gritos de dor que ela soltava eram impossíveis de se descrever.
Meu estômago embrulhou e por pouco não vomitei. Contudo, me segurei. Aproveitei
o barulho dos cacos de vidros se partindo sobre a pia e no chão para fugir.
Meus passos ecoavam pelo corredor, numa corrida desesperada
pela vida.
Vou à recepção do hospital e dou de cara com uma das cenas
mais chocantes da minha vida: corpos sem cabeça; corpos sem cabeça afogados em
poças de sangue. Jaziam no chão, perto do telefone...