quinta-feira, 21 de março de 2013

A HORA DOS LOBOS Cap.9

blog do raffael petter

9. Fugir e Lutar
—Acorde, bela adormecida... —sou despertada por uma voz, qual conhecia muito bem.
Era ele. Bastian.
Ele me olhava com um sorriso de lagarto, na boca. Seus olhos refletiam os fogos de artifícios, que em seu âmago ele deveria estar soltando de felicidade.
—Onde está a minha mãe? —pergunto sentindo  todo o meu pescoço encharcando de suor.
Tento me erguer, mas meus braços e pés estavam presos numa espécie de mesa, uma daquelas mesas de tortura antigas usados na era medieval. Olho ao meu redor procurando por ela. Estávamos na nave da igreja. Várias velas vermelhas estavam acesas, espalhando por todo o lugar sagrado a sua luz tênue e indecisa, que tremeluza ao mero sinalo duma brisa.
As chamas davam as colunas do lugar um charme ainda mais grotesco. Os bancos, que antes serviram de assentos aos decotadíssimos fieis, agora estava tombados de cabeça para baixo. Vitrais, que em algum momento coloriram a igreja com suas ilustrações das passagens bíblicas, achavam-se espatifados. Inclusive as paredes onde esses vitrais ficavam emoldurados, estavam parcialmente dominadas pelas heras verdejantes.
Houve um momento em que pude ver flutuando, nos caibros da igreja, olhos vermelhíssimos e grandes, cujos, deviam pertencer aos morcegos que haviam se tornado os novos freqüentadores do lugar.
Bastian não havia respondido a minha pergunta. Ele estava ao meu lado direito, olhando para mim com que me pareceu um olhar de loucura, obsessivo cheio de desejo.
—Bastian, onde está a minha mãe? —repito a pergunta.
—Não, se preocupe Tabatha... Lizzy, traga-a —ordenou com um aceno imperativo de cabeça.
Mal havia percebido a presença daquela desgraçada que havia me desferido um soco no olho. Aliás, ela e Beverly, que estava sentada a frente da nave, num banco que elas haviam erguido do chão.
Que legal...
As comparsas assistiam sem nenhum pudor o ritual...
—Lizzy, você ouviu o que eu disse? —pergunta ele pra garota morena que estava em pé, paralisada feito uma estátua.
—Sim... —responde num fiapo de voz.
—Então, o que você está esperando?
O tom de voz de Bastian não era dos mais carinhosos.
—Temos visitas... —disse ela apontando a porta que nesse exato momento escancara-se.
De repente, uma corrente de ar polar entra no recinto sacro, fazendo com que cada músculo de meu corpo arrepiar-se e depois retesar-se.
Droga! —pude ouvir Bastian sussurrar.
O que estava acontecendo alguém chegou?
Podia ouvir passos caminhando em direção do altar e pude ver Bastian, pondo-se em minha frente, como se ele quisesse tentar me ocultar de alguém.
—Ora, ora, ora... — reverberou uma voz aguda e esganiçada de mulher. —Quanto tempo, não Bastian?Quantos anos que não nos vemos?
— Uns cinqüenta anos? —responde. —Valerie...
—Não. Acho que foi muito mais tempo... —dizia ela se aproximando cada vez mais do altar.
—Nossa!O tempo passou tão de pressa... —falou deixando, denunciar em sua voz, certo medo.
De súbito, a mulher estaca e explode numa gargalhada insuportavelmente aguda.
—Você continua o mesmo cínico de sempre...
—E você continua tão bela quanto antes! —galanteia.
—O que você está escondendo atrás de você, Bastian? —perguntou parada a poucos centímetros de mim.
Ela estava tão perto de mim, que eu podia vê-la. Ela era uma mulher de seus trinta e poucos anos. Cabelos louros e cacheados cujos lhe desciam em cascata emoldurando o rosto fino e branquíssimo. Um busto farto e um corpo delgado, uma autêntica figura para se eternizar em uma escultura.
Porém, o que mais lhe chamava atenção eram aqueles olhos azuis claríssimos como o céu e impetuosos como o oceano em dia de borrasca. Os olhos amendoados que pareciam ter um “Q” de angelical, também irradiavam um “Q”de infernal.
—Nada... —Bastian respondeu, olhando de esguelha para mim.
O mais impressionante de toda a situação é que eu não conseguia exprimir quaisquer palavras. De repente, havia me calado sem saber bem o motivo.
Queria ter apenas, a minha mãe de volta...
—Não minta!Sinto o cheiro de humana!Eu pude sentir esse cheiro de longe... —Valerie disse fungando com o nariz como um cachorro — Só de pensar minha boca começa a salivar... 
—Sinto muito Val, mas ela é só minha. Eu a encontrei primeiro.
—Mas quem é a mais velha e a mais forte?Que tem força o suficiente para acabar com você e suas vampiras vagabundas? —pude ouvir um muxoxo de ira de Lizzy.
Eles me barganhavam tal como um açougueiro com um fazendeiro.
—Se você quiser podemos fazer um acordo... —começa Bastian.
—Como seria? —pergunta Valerie interessada.
—Você pode ficar com a mãe dela...
—Mais nem morta!Sangue de velho é horrível...
Não. Bastian ia me pagar se aquela vampira loira tocasse num só único fio de cabelo da minha mãe. Aquilo fugia totalmente do acordo que tínhamos. Apesar de não termo acordo algum, já que a palavra de um vampiro não significa nada.
Tinha que dar um jeito de sair dali e buscar minha mãe. Vou tentando afrouxar as amarras. Mais do que tudo tinha que pensar em algo para ganhar tempo.
Então, decido testar algo:
—De onde vocês se conhecem Bastian? —pergunto.
—Ela não está em transe, não? —pergunta Valerie indignada.
—Não — respondeu Bastian.
—Ei, dá para vocês responderem a minha pergunta?
—Onde você encontrou essa insolente?— pergunta Valerie entrecruzando os braços—Não vai me dizer que você está apaixonado por ela...?
—Nada haver...
Nada haver mesmo. O que ele queria mesmo era chupar todo o meu sangue e me deixar oca feito uma múmia embalsamada.
—Então por que você está aí como um guarda escoltando-a?
—Cara... Vai embora Valerie, não temos mais nada...
—Como assim não temos mais nada? —berra Valerie em indignação.
Enquanto eles discutiam, eu aos poucos, ia afrouxando as amarras. Faltava muito pouco para que eu conseguisse me libertar.
—Você é muito do ingrato sabia?Quando você começou a descobrir os seus poderes como vampiro, quem que serviu de cicerone nesse mundo?Eu!Quem foi que te ensinou a caçar?Eu! —gritava escandalizada.
—Eu sei, eu sei e te agradeço, mas não temos mais nada haver um com o outro. Os sentimentos que nutríamos no passado, se desfizeram... Restando apenas as boas lembranças...
Valerie e Bastian. Então isso quer dizer que no passado distante eles tiveram alguma coisa. Algum afeto.
—Boas lembranças apenas... —disse Valerie numa voz melancólica. —Então,vou sair daqui e te deixar em paz...
Estava quase liberta... Mais uns segundos e estaria livre...!
Nesse ínterim, Valerie, caminhava na direção da porta. O sobretudo marrom que ela usava, arrastava-se pelo chão, encobrindo quase por inteiro a sua bota de salto agulha, qual furava impiedosamente o mofado e puído carpete verde que revestia o assoalho negro.
—Bastian, posso perguntar uma coisa? —gritou Valerie à porta da igreja. Ela estava sendo iluminada pelos raios lunares.
—Pode... — disse Bastian.
Minhas mãos estavam suavam e com isso facilitou ainda mais com que eu me soltasse. Mãos já libertas ergo-me e seguindo para  meus tornozelos. Fazia aquilo sem que todos me notassem.
Eles pareciam não perceber.
—Você gostou mais da Luna do que de mim, não é verdade? —disse Valerie, virando-se e ficando de frente, no mesmo ponto em que Bastian estava.
Bastian suspirou profundamente e disse:
—Você sabe que sim...
Valerie começou a rir. Ria como uma demente, uma louca fugida do hospício. Depois, ela começou a chorar um choro sentido e doloroso. Por fim, estacou dando um sorriso.
—Ah, Bastian e por acaso eu não vi como é a sua caça... —disse, ela começando a correr.
Graças aos céus, eu já havia conseguido desatar a última amarra que me prendia a mesa.
Mas antes que eu pudesse sair dela, Bastian grita:
—Valerie, você não pode fazer isso!Você não pode tocar nela!Ela é minha!
Valerie, contudo, parecia não ter mais ouvidos. O lado vampiro havia tomado conta dela, cegando-a para razão.
Ela parecia um animal com os caninos retraídos, olhos vermelhíssimos e amendoados com risco escuro no meio das pupilas.
Quando percebi, minhas costas estavam grudadas na mesa. Mãos finas de unhas como garras prendiam fortemente meus pulsos.
—Vamos, deixe-me ver como você é! —guinchava ela.
Eu lutava com ela com todas as minhas forças. Não podia deixar que ela me mordesse. Mas era inútil lutar com ela montada em cima de mim.
—Me largaaa!! —grito para que ela saísse de cima de mim.
—Vamos, deixa eu ver o seu rosto garota!
Nesse instante Bastian interveio:
—Valerie, deixa a garota! Ela não tem nada haver... —disse tentando puxá-la de cima de mim.
Todavia nada fazia com que ela me largasse. Ela era como aqueles cachorros irritantes, quando começam a morder não soltam mais.
Decido desistir e mostrar logo meu rosto.
—Rá!Então é isso... —disse, ela saindo de cima de mim— você a quer porque ela parece com a sua falecida Luna...
Assim que ela virou-se para Bastian eu saio em busca de minha bolsa.
—Não é nada disso! —alega, ele.
—O que você estava pensando em fazer, então? — ela perguntou encarando Bastian— Transformá-la?
Silêncio da parte de Bastian.
Agora eu entendia!
O filho da mãe devia me achar parecida com essa tal de Luna e com isso iria me transformar em uma vampira igual ele fez com aquelas duas outras palermas que estavam escondidas debaixo dos bancos feitos ratos assustados.
Procuro pela minha bolsa. Tinha que ser rápida.
A encontro no chão, próxima a mesa. Corro e a pego. Ponho-a nas costas. E corro na direção duma porta que ficava do lado esquerdo, uma porta grande e totalmente feita de ferro.
Torço a maçaneta e a empurro.
Antes que eu pudesse entrar pude ouvir Valerie e Bastian discutindo:
—Cala, a sua boca!!Você não tem nada haver com isso, eu já disse!!! —vociferou Bastian.
—Será? — diz, ela num tom zombeteiro.
***
Estava num corredor escuro.
Acendo a luz azul do meu celular. Ela duraria muito tempo, só tinha uma carga. Vou iluminando o meu caminho e percebo que aquele corredor tinha várias portas dos lados.
Minha mãe só podia estar numa delas...
Vou abrindo uma por uma...
Não, essa daqui não...
Nem essa...
Quando ouvia não muito longe as vozes de Valerie e Bastian eu puxo a maçaneta duma das últimas portas e entro nela.
Me viro e encontro ela, minha mãe.
Ela estava amordaçada e amarrada por um monte de cordas que lhe davam várias voltas pelo corpo. Encontrava-se em transe. Parada como uma estátua. Olhando para mais além.
—Mãe, a senhora está bem? —pergunto, tirando a mordaça da boca dela e aconchegando o seu rosto frio, suado em minhas mãos.
Ilumino seu pescoço com a luz do celular.
Nada.
Felizmente.
—Mãe, vou te desamarrar e tirar a senhora daqui... —digo pondo o celular na minha boca, desatando os nós das cordas.
Depois ligaria para Tyler. Pedir a ajuda de Alieta seria inútil ela só iria atrapalhar.
Jogando as cordas dum lado digo a minha:
—Pronto mãe. Podemos sair agora...
Quando uma voz esganiçada e louca na porta anuncia:
—Sei que você está aí, garota... Sinto seu cheiro...
Droga!
Naquele momento, meu coração disparou e adrenalina começou a correr pelo meu corpo.
Tinha que pensar e agir rápido.
A porta não estava trancada, logo ela podia abrir a porta e entrar quando quisesse.
—Se entrar aqui eu explodo sua cabeça!Tenho um Colt aqui comigo...
—Rá!Só quero ver só... —disse Valerie girando a maçaneta da e empurrando a porta vagarosamente. Em segundos, podia-se ver uma mão pálida tentando adentrar no quarto.
Foi então que eu tomei coragem e correr para porta com a maior velocidade que meus pés permitiam, empurrando-a.
Imediatamente, uma mão decepada cai, um grito gutural do outro lado da porta e um berro:
—Vou te matar garota!!
Não, você não vai me matar.
Procuro por moveis para fazer de contrapeso na porta. Ali, na pequena saleta havia uma pequena poltrona, uma estante e duas cadeiras.
Arrasto, a poltrona e a estante encostando ambas na parede— fiz tudo sem ajuda da minha mãe que continuava sentada no chão.
Afasto eu e minha mãe para o fundo da saleta. Confesso que fora uma árdua tarefa, pois minha mãe não se movia por nada.
Olho no meu celular.
Ainda tinha carga para fazer uma ligação pelo menos.
Precisava ligar pra ele.
Seria o único jeito.
—Vamos, Valerie saía daí... —Bastian, disse em tom imperativo.
—Você quer morrer com ela? Você viu o que ela fez com a minha mão?Essa vaca vai morrer! —disse, ela rispidamente.
A voz dela era uma mescla de raiva e desejo de vingança.
Digito o numero de Tyler.
Nada.
Caixa postal.
Tento outra vez.
Caixa postal.
Tento a última vez.
Idem, caixa postal.
O jeito seria escrever uma mensagem de texto.Começo a escrever: 
Tyler,
Me ajuda eu estou presa,aqui, igreja.
Bastian... 
O celular avisava que estava descarregado.
Teria que ser enviado daquele jeito.
Pressiono enviar.
Não foi. Tento outra vez. Na última tentativa consigo, consigo, porém, o celular se desliga.
Merda!
—O que você vai fazer? —Bastian, perguntou a Valerie.
—O que você acha?Arrombar a porta! —exclamou ela.
Meu tempo estava acabando...
Olho minha bolsa e procuro pelo Colt. Reviro a bolsa e encosto em algo frio,de metal.
Eis o Colt.
Estava preparada.
Primeira investida. Um baque na porta.
Nada acontece, nenhum móvel se move.
Segunda investida e um pouco mais forte. Os móveis estremecem e afastam-se um pouco da porta...
Na terceira tentativa estaria frita...
Engatilho as balas na arma.
Posiciono meu dedo no gatilho. Olho pra minha mãe que parecia uma demente.
—Mãe, desculpe... —digo com lágrimas turvando meus olhos— Te amo...
Terceira investida. Dessa vez, Valerie unira todas as forças dos outros dois ataques em uma só.
Ela consegue afastar os moveis e derrubar a porta. Uma nuvem densa de poeira é levantada.
Meus dedos estavam preparados para atirar.
Bastava ela se aproximar...
Mas não conseguia enxergar nada com aquela poeira me turvando a visão.
Apesar disso eu podia sentir uma respiração. Uma respiração arquejante. Qual estava a centímetros de meu rosto.
A nuvem de poeira foi abaixando...
Eu sabia que ela estava naquela saleta...
Meu dedo indicador a qualquer momento puxaria o gatilho e...
Quando não havia mais pó lá estava ela de cócoras, bem perto do meu rosto, com aqueles olhos vermelhos.
Meu corpo estremece...
Porém, não havia tempo para estremecimento. Tinha que puxar o gatilho apenas...
Valerie me encarava quando puxei o gatilho... E nada aconteceu...
Puxo de novo o gatilho...
Não, não podia ser...
Puxo, de novo e nada...
O Colt emperrara!
Valerie agora tinha um sorriso de orelha a orelha no rosto.
Estava perdida...

CONTINUA

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