segunda-feira, 27 de abril de 2020

Digital Influenza


As redes sociais são plataformas que alavancam personalidades que nunca ouvimos falar, lançando-as ao estrelato. Alguns têm sucesso passageiro: duram quinze minutos, outros um reles story. Mas há outros que ampliam os seus quinze minutos de fama de tal modo  que conseguem atrair consigo uma horda de fãs e curiosos. Avolumando e perdurando assim  tal status.
De um instante para o outro a vida da pessoa se torna interessante. Vamos consumindo cada passo seu, cada suspiro. E da noite para o dia, de um story para outro, sem que percebamos,   almejamos a vida dela.
A pessoa transforma-se em influencer. 
Mas por que isso acontece?Por que desejamos ter a vida dela? Ser como ela? Ter algo que ela tenha?
Isso acontece, oras, porque preferimos consumir,muitas das vezes, a vida de alguém que viaja quase todo mês para algum país da Europa, come nos restaurantes mais caros ou frequenta as melhores baladas do Brasil do que a vida de um trabalhador que vive com seu cachorro numa fazenda no interior do sertão por exemplo. Não que  a vida do trabalhador que vive com o seu cachorrinho seja menos interessante. Ambos o são. Mas é tudo questão de ótica. Identifico-me com o que eu quero ou desejo. E muitas vezes (quase sempre) o que desejo não condiz com o meu estrato social. E por conta disso o meu desejo só faz aumentar. É aberto o apetite. O apetite pelo que não tenho.
O problema não reside em ser influenciado ou consumir algo oferecido pelo influencer.
O grande problema está em quem influencia e como ele o faz. Além de ter milhões de seguidores e possuir engajamento, o influencer tem uma obrigação que poucos se lembram de ter, que é a responsabilidade com os seus seguidores.
Isto é, você postar stories fazendo festa com os seus amigos para os seus milhões de seguidores em plena pandemia de Corona é de uma irresponsabilidade tremenda. Irresponsabilidade e falta de sensibilidade.
Gabriela Pugliesi na noite de sábado (25/04/2020) dera uma festa em seu apartamento. Uma festa com meia dúzia de amigas. Uma festa com amigas em pleno Corona. Repito novamente para não restar dúvidas: Gabriela Pugliesi dera uma festa em sua casa com meia dúzia de amigas em pleno Corona.
Ela uma digital influencer com quase cinco milhões de seguidores na sua conta, dera uma festa desrespeitando as normas de prevenção que foram decretadas: pessoas têm de ficar de distanciamento social e só sair de casa para fazer as coisas mais básicas e necessárias. O que significa: nada de festa com meia dúzia de amigas. É inconcebível, desumano. Não pode.
O mais engraçado de tudo é que a própria contraíra anteriormente o vírus durante a festa de casamento da irmã. A própria. E poderia ter aprendido algo com o acontecido. Poderia. Aprendera? Não, não aprendera.
Porque ela não aprendera? Porque ela vive numa bolha gigantesca. Como muitos que vejo por aí, que literalmente cagam e andam para o com o outro. Zero de empatia com o próximo. Zero. O único zero que importa para eles, é o zero dos milhões que compõem os seus seguidores.
Isso que a Pugliesi fizera, fora um ato horrendo, estúpido. Um atentado a vida. Uma falta de empatia com as pessoas que estão na linha de frente lutando contra esse vírus maldito e contra àqueles que agonizam pelo mesmo ou até mesmo pelos os que já se foram. É como se ela desse a mínima. Logo ela toda budista, toda zen.Toda digital influencer fitness que sempre prezou a saúde acima de tudo...
De digital influencer fitness,ela Gabriela Pugliesi, passara a digital influenza.
                                        

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Ensaios Sobre a Quarentena ou Quase Isso...

Acordar e estar feliz por ter acordado. Apalpar-se logo em seguida e sentir que ainda escorre vida(a seiva) pelo corpo, que ainda sente as coisas através de todos os seus sentidos(as raízes).Sim, ainda vive. Ainda sente. Sim,ainda respira. Respira tranquilamente. Nunca dera tanto valor ao ato de respirar como agora.Inundar os pulmões de ar e depois expeli-lo.Tragar e expelir, tragar e expelir, tragar e expelir. O exercício, a confirmação de uma existência.Respiro,logo vivo.
Nunca havia parado para pensar na delicadeza do existir. Essa coisa preciosa e fragilíssima como um cristal que num descuido pode espatifar-se completamente e ruindo-se em sua insignificância.Pois sejamos sinceros : a nossa existência é insignificante se comparado ao gigantismo do universo.Somos o  micro no meio do macro.E apesar dessa insignificância frágil,pulsamos. Evitamos morrer ,porque morrer é a ausência. A ausência do sentir, a ausência do amar, a ausência de apenas deixar-se estar e ser. A morte é isso  a ausência. O ponto final de uma frase que pode ser tão longa quanto curta. O último capítulo de um grande romance como Guerra e Paz ou um livro de um único capítulo apenas. Viver é isso : um sopro.A brevidade.É o vento ligeiro que desfolha as árvores no outono e a brisa   que acaricia as pétalas viçosas das flores na primavera.
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Esse texto só foi possível de ser escrito ,porque desacelerei e o mundo ao meu redor também. A engrenagem sofrera perda de velocidade. Não que tenhamos entrado numa espécie de slow motion, não ,isso não seria possível. O capitalismo não permitiria . Para ele os corpos existem com o único objetivo : servir e consumir ,isto é,alimentar a  essa engrenagem assassina que destituí corpos de suas almas(sonhos e desejos) e se utiliza da energia de seus corpos até que estes sucumbam. A existência humana não foi feita para a escravidão. Sei que parece utópico o que direi aqui ,mas os seres humanos foram feitos para perseguir os seus sonhos ,gastar seu breve tempo e energia para conquistar o que anseiam. Pois sem os  sonhos nos tornamos coisas: frias, metálicas e descartáveis.
Ou seja, quando desaceleramos mesmo que por poucos segundos, percebemos o quão  estamos sendo  tragados por esse vórtex, pela roda. E enxergamos o quanto de energia e tempo perdemos por um consumo de manada (um consumo irrefletido que é criado, "que se faz necessário " quando na verdade não o é).
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As pessoas quebram a quarentena por ainda não acreditarem na realidade e gravidade do que estão vivendo. Ou por acharem que são inatingíveis ou indestrutíveis, que essa "gripinha de nada" não  lhes afetarão.
Para que elas entendam que a pandemia é realmente algo grave é necessário que algo grave lhes aconteça ou com alguém próximo a ela (amigos,parentes ou vizinhos).Só com o choque é que rasga-se esse fino involucro que as pessoas se submetem. Esse involucro de demência (quase sempre)desejada, que se vestem. Só pelo choque de realidade é que as pessoas quebram o "nunca acontecerá comigo".