quinta-feira, 23 de abril de 2020

Ensaios Sobre a Quarentena ou Quase Isso...

Acordar e estar feliz por ter acordado. Apalpar-se logo em seguida e sentir que ainda escorre vida(a seiva) pelo corpo, que ainda sente as coisas através de todos os seus sentidos(as raízes).Sim, ainda vive. Ainda sente. Sim,ainda respira. Respira tranquilamente. Nunca dera tanto valor ao ato de respirar como agora.Inundar os pulmões de ar e depois expeli-lo.Tragar e expelir, tragar e expelir, tragar e expelir. O exercício, a confirmação de uma existência.Respiro,logo vivo.
Nunca havia parado para pensar na delicadeza do existir. Essa coisa preciosa e fragilíssima como um cristal que num descuido pode espatifar-se completamente e ruindo-se em sua insignificância.Pois sejamos sinceros : a nossa existência é insignificante se comparado ao gigantismo do universo.Somos o  micro no meio do macro.E apesar dessa insignificância frágil,pulsamos. Evitamos morrer ,porque morrer é a ausência. A ausência do sentir, a ausência do amar, a ausência de apenas deixar-se estar e ser. A morte é isso  a ausência. O ponto final de uma frase que pode ser tão longa quanto curta. O último capítulo de um grande romance como Guerra e Paz ou um livro de um único capítulo apenas. Viver é isso : um sopro.A brevidade.É o vento ligeiro que desfolha as árvores no outono e a brisa   que acaricia as pétalas viçosas das flores na primavera.
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Esse texto só foi possível de ser escrito ,porque desacelerei e o mundo ao meu redor também. A engrenagem sofrera perda de velocidade. Não que tenhamos entrado numa espécie de slow motion, não ,isso não seria possível. O capitalismo não permitiria . Para ele os corpos existem com o único objetivo : servir e consumir ,isto é,alimentar a  essa engrenagem assassina que destituí corpos de suas almas(sonhos e desejos) e se utiliza da energia de seus corpos até que estes sucumbam. A existência humana não foi feita para a escravidão. Sei que parece utópico o que direi aqui ,mas os seres humanos foram feitos para perseguir os seus sonhos ,gastar seu breve tempo e energia para conquistar o que anseiam. Pois sem os  sonhos nos tornamos coisas: frias, metálicas e descartáveis.
Ou seja, quando desaceleramos mesmo que por poucos segundos, percebemos o quão  estamos sendo  tragados por esse vórtex, pela roda. E enxergamos o quanto de energia e tempo perdemos por um consumo de manada (um consumo irrefletido que é criado, "que se faz necessário " quando na verdade não o é).
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As pessoas quebram a quarentena por ainda não acreditarem na realidade e gravidade do que estão vivendo. Ou por acharem que são inatingíveis ou indestrutíveis, que essa "gripinha de nada" não  lhes afetarão.
Para que elas entendam que a pandemia é realmente algo grave é necessário que algo grave lhes aconteça ou com alguém próximo a ela (amigos,parentes ou vizinhos).Só com o choque é que rasga-se esse fino involucro que as pessoas se submetem. Esse involucro de demência (quase sempre)desejada, que se vestem. Só pelo choque de realidade é que as pessoas quebram o "nunca acontecerá comigo".



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