quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Fragmentos do Natal


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Em algum lugar da antiga Jerusalém duas alcoviteiras travavam o seguinte dialogo:
--Então, era verdade mesmo? Maria estava grávida, teve um filho e se chama Jesus de Nazaré?
--Era  sim. Teve ele numa manjedoura.
--Menina, eu jurava que fosse barriga de vento... Barriga imaginária...

***
--Feliz Natal, Ruy! Feliz Natal!--disse Heitor abraçando o primo. Estava sendo dissimulado. Todos ali sabiam que não se davam. Não se bicavam. Não podiam coexistir. Isso desde pequenos. Ruy e Heitor. Inimigos desde os tempos de bolinhas de gude, desde os tempos em que apostavam corrida de carrinho de rolimã, desde o tempo que empinavam pipa no morro do urubu.
A rixa começara  na infância, mas os acompanhara até a vida adulta quando culminara na seguinte situação: Ruy se casando com a mulher de Heitor e  Heitor se casando com a mulher de Ruy. Até porque, afinal de contas, chifre trocado não dói.
--Feliz Natal-- respondera Ruy retribuindo o abraço do primo.
Todo Natal era aquela mesma falsidade na casa da avó. Os primos que se odiavam sentavam-se na mesa sempre de frente um pro outro com sorrisos debochados e olhares fuzilantes. Duas forças da natureza preparadas para se entrechocarem a qualquer momento. O momento de vazão dos rancores e da competitividade que se acumulara durante todo o ano, acontecia quase  logo após o segundo copo de capirinha :
--E essa pança, Heitor? Muita cerveja?
--Não tão grande quanto a sua que parece um jabuti repousado. --respondera Ruy se sentindo desinibido (o álcool já fazendo efeito).
--Antes jabuti do que um alce... de chifres gigantescos... Imensos... Inclusive, quando vi você saindo do seu carro,pensei que você fosse ficar entalado por conta do tamanho deles. Imensos, não?
--Não tão imensos quanto à vontade da sua mulher em se deitar comigo...
E ficavam nessas trocas de ofensas a noite toda. 
Até que um deles cedesse (o que sempre ocorria após o quarto copo de caipirinha) e adormecesse como uma criança no ombro um do outro.
***
Enfim, chegara o grande dia. A grande noite na verdade.
Depois de anos tolerando o tio do pavê, Isabel decidira se vingar. Esperou o  momento da ceia: onde todos se esbaldavam nos perus e nas saladas de salpicão. Após devorarem os pratos principais, eles partiam para sobremesa  a especialidade da mãe de Isabel: o pavê.
Levantou-se da mesa, foi à cozinha  e depois voltara para sala trazendo em mãos uma travessa do dito cujo: o pavê.
--Esse pavê,  foi feito especialmente para senhor, tio Leonidas. Bom , apetite.--diz dispondo o prato em frente ao tio.
--É pavê ou pacom...
E antes que ele pudesse responder, Isabel afoga a cara do tio no prato.
Nunca tivera um natal tão feliz como aquele.




quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

A Pessoa Mais Distraída do Mundo

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Acabo de chegar à seguinte conclusão: sou a pessoa mais  distraída do mundo. Sim, sou. Não há nenhum concorrente que se equipare ao meu nível absurdo de distração. Apenas eu somente.Eu vs eu. Digo isso porque  sou distraído duma forma que as outras pessoas não são. Pelo menos as normais.
E tenho como provar.
***
Certa vez, estava voltando do estágio do curso  que fazia na época, quando uma senhora me para segurando em meu braço:
--Oi? Se lembra de mim?
Encaro aquele  rosto curioso, enrugado e tento me lembrar: realmente tento. Tento,tento,tento e... Nada. Nada encontrado em meus arquivos cerebrais. Apenas um vazio. Nada havia sido computado pelo meu cérebro. Se um dia fora computado tais dados foram removidos, jogados na lixeira mais próxima ou lançados ao limbo escuro, úmido e mofento de minha memória.
Passado esse período de uma tentativa inútil de identificação (cujo qual, durara milésimos de segundos) repondo  da forma mais dissimulada que a minha cara de pau permitira:
--É claro que me lembro! Como a senhora vai?
A abraço como se realmente a conhecesse.Como se fosse um parente querido.
--Vou bem. --responde ela. --E como vai a sua família? Sinto a muito a sua perda. Dona Alzira era uma grande mulher. Foi-se muito cedo...
Dona Alzira? Que Alzira? Quem diabos era Alzira?
Não sabia de quem se tratava. 
Muito provavelmente a senhorinha estava com algum lapso de memória e estava me confundindo com outro alguém. Tão distraída quanto eu.Não conhecia dona Alzira e muito menos a dona que pranteava a morte dela. E para me livrar de tal saia justa, digo num tom soturno:
--Pobre, Alzira...pobre Alzira...
E saio correndo.
***

Outro momento que demonstra o quão sou uma pessoa distraída fora quando tomei um ônibus errado e quase fui parar na praia de Bertioga (praia próxima do lugar onde moro).Foi  num dia que também voltava do estágio. Lembro de que o dia tinha sido estressante e enfadonho (algo completamente normal na vida de um estagiário brasileiro) ansiava pela chegada do ônibus como quem anseia por um copo d'água no Saara. Fazia estágio geralmente aos finais de semana (em dias em que a quantidade de transporte é completamente reduzida). Ou seja, o passageiro que esperava por tais coletivos se transformava numa espécie de espantalho de rodovias e pontos de ônibus.
Finalmente  o meu ônibus chega--ou qual que achei que fosse o meu. Subo nele e vou para o fundo do ônibus e me  agarro no corrimão como um bicho preguiça. Olho para baixo, penso na vida: no passado e no futuro. Nunca no presente. Me distraio.
Depois de certo tempo, volto meu olhar para cima, olhando pela janela a minha frente e logo estranho: aquele não era o caminho que sempre tomava na volta do estágio. Ele estava diferente. Mais cheio de árvores mais verdejante. Quase uma selva. No mesmo, instante o meu coração começa acelerar. Havia tomado o ônibus errado....Estava indo para  um lugar que nunca havia pisado. Confirmo com o passageiro mais próximo o que meus olhos já haviam visto: aquele não era meu destino. Puxo a cordinha do coletivo e desço no ponto mais próximo. 
E novamente me transfiguro num espantalho de ponto de ônibus Esperando o que  realmente me levasse dessa vez (sem enganos) para minha casa.

***

Era sábado e estava afim de assistir algo na Netflix. Coloquei um filme e depois de meia hora assistindo-o a fome incorporou meu corpo. Fui a geladeira, peguei algo para comer. Saciava a fome enquanto assistia ao filme. O assisto todo com  tédio absoluto e com o sono já se pendurado em cada uma de minhas pálpebras. Os créditos começaram a subir e só fiz agradecer. O filme finalmente chegava ao fim. Hora de desligar a TV. Hora de dormir. Hora  de deitar na cama e sonhar com felpudos carneirinhos  a pularem fofamente por entre cercas.
Ledo engano.
Antes disso teria de desligar a televisão primeiro. Procuro pelo controle dentre os vãos do sofá desesperadamente: nada. Somente vãos escuros e apertados. Reviro a sala inteira (olho embaixo do sofá, estante, almofadas, debaixo do jarro de flores, atrás do aparelho de som, entre a coleção de dvds e nada...).
Parto para cozinha: olho debaixo da mesa, debaixo da pia, em cima da mesa,em cima da pia e novamente nada. Olho dentro do armário, do fogão e do micro ondas também e também nada encontro. De súbito, um estalo. Começo a rir. Rir de nervoso. Um risinho histérico. Não, não seria possível uma coisa dessas. Não o teria feito. Me encaminho a geladeira e abro o compartimento de debaixo.Nada, nenhum controle. Respiro aliviado. Ainda não estava caquético. Abro o freezer só para reafirmar que não estava caquético e... Para o meu espanto, o encontro: o controle. A prova cabal de minha senilidade.

***

Então? Sou ou não sou a pessoa mais distraída do mundo? 


quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Receita para Curar Um Coração Partido :


como curar um coração partido?

Para curar um coração partido vocês irão precisar de :

1 Coração Partido
1 Panela Tramontina
1 Caixa de Lenços Kleenex 
1 Garrafa de água de 2 litros
1 Colher de Pau

Modo de preparo(atentem-se nesta parte,pois é muito importante) :

1. Chore, mas chore até fungar. O choro aqui nesse momento, tem o  poder curativo. Destile toda a dor que está sentindo. Deixe os pedacinhos de seu coração virem um por um, sem medo. Apenas deixe. Após de um tempo chorando, eis que sentirá um alívio tremendo no peito--será como se tivessem lhe tirado um pesado colete de chumbo dos ombros.
Nesse meio tempo, vá bebendo bastante liquido,hidratar-se é fundamental --por isso,deixe a garrafa de 2l ao seu lado a todo instante).
2.Depois disso pegue o coração em pedaços e jogue numa panela Tramontina junto com água.
Vá mexendo,vá mexendo,vá mexendo.Se as lágrimas vierem nessa hora, deixa-as caírem e se necessário, dentro da panela --não haverá problema.Lágrimas darão um sabor diferenciado nesta receita.
No entanto, de maneira alguma , pare de (se) mexer.Pois  o movimento,depois do choro destilado é a parte mais importante da receita.O movimento faz a coisa andar,seguir em frente.Isto é,sempre que pensar no ex-objeto-amado,mexa o coração em caquinhos na panela.Mantendo-se em movimento.Mantendo-se em frente.
3.Enquanto a coisa toda encorpa , coloque uma música para ser a trilha sonora desse ritual: as opções vão de Adele (para momentos de fossa profunda),Roxette (para um saudosismo oitentista), Alanis  Morissette ( escute todo o Jagged Little Pill  ,pois esse disco é um verdadeiro diário de como é ser jovem e as angústia de sê-lo e consequentemente amar) ,há ainda  cantores de sertanejo universitário que são exímios  em composições de amor  e suas variações e desdobramentos Dentre a miríade que o mercado oferece ,indico Marília Mendonça (músicas para te tirarem do fundo do poço e lhe  te alçarem para superfície).
Aproveite a música e dance: chorando,dance: gritando,dance: rindo e por fim dance: esperneando. Ou penas dance.Se quiser (e será quase que irresistível não fazê-lo)pegue a colher de pau  que estava mexendo na panela  e a faça de microfone, você é um(a) rockstar , expurgue toda a sua dor. Cante para uma arena imaginária.
4. Após o seu pequeno show particular você irá perceber que a massa pegou ponto. Ou seja : os cacos magicamente se juntaram a água e se transformaram numa  mistura homogênea. Pegue-a e a despeje numa forma de  formato coração (não esqueça de untar) e leve ao forno. Deixe uns trinta minutinhos (cuidado para não queimar,por favor) e desinforme.
E voilá ! Eis um coração novinho em folha. Ou quase. Irá notar que há algumas imperfeições na massa : algumas cicatrizes, algumas disformidades,diria.Tudo bem. A receita dera certo. Elas são para lembrar-lhe , que é possível juntar os caquinhos e ter o seu coração de volta.O processo para tal dói(as primeiras paixões são as que mais  doem), causam marcas,mas depois de todo esse processo (a receita), verá que o seu coração se tornara mais forte e resistente.