
Em algum lugar da antiga Jerusalém duas alcoviteiras
travavam o seguinte dialogo:
--Então, era verdade mesmo? Maria estava grávida, teve
um filho e se chama Jesus de Nazaré?
--Era sim. Teve ele numa manjedoura.
--Menina, eu jurava que fosse barriga de vento...
Barriga imaginária...
***
--Feliz Natal, Ruy! Feliz Natal!--disse Heitor
abraçando o primo. Estava sendo dissimulado. Todos ali sabiam que não se davam.
Não se bicavam. Não podiam coexistir. Isso desde pequenos. Ruy e Heitor.
Inimigos desde os tempos de bolinhas de gude, desde os tempos em que apostavam
corrida de carrinho de rolimã, desde o tempo que empinavam pipa no morro do
urubu.
A rixa começara na infância, mas os acompanhara
até a vida adulta quando culminara na seguinte situação: Ruy se casando com a
mulher de Heitor e Heitor se casando com a mulher de Ruy. Até porque, afinal
de contas, chifre trocado não dói.
--Feliz Natal-- respondera Ruy retribuindo o abraço do
primo.
Todo Natal era aquela mesma falsidade na casa da avó.
Os primos que se odiavam sentavam-se na mesa sempre de frente um pro outro com
sorrisos debochados e olhares fuzilantes. Duas forças da natureza preparadas
para se entrechocarem a qualquer momento. O momento de vazão dos rancores e da
competitividade que se acumulara durante todo o ano, acontecia quase logo
após o segundo copo de capirinha :
--E essa pança, Heitor? Muita cerveja?
--Não tão grande quanto a sua que parece um jabuti repousado.
--respondera Ruy se sentindo desinibido (o álcool já fazendo efeito).
--Antes jabuti do que um alce... de chifres
gigantescos... Imensos... Inclusive, quando vi você saindo do seu carro,pensei
que você fosse ficar entalado por conta do tamanho deles. Imensos, não?
--Não tão imensos quanto à vontade da sua mulher em se
deitar comigo...
E ficavam nessas trocas de ofensas a noite toda.
Até que um deles cedesse (o que sempre ocorria após o
quarto copo de caipirinha) e adormecesse como uma criança no ombro um do outro.
***
Enfim, chegara o grande dia. A grande noite na
verdade.
Depois de anos tolerando o tio do pavê, Isabel
decidira se vingar. Esperou o momento da ceia: onde todos se esbaldavam
nos perus e nas saladas de salpicão. Após devorarem os pratos principais, eles
partiam para sobremesa a especialidade da mãe de Isabel: o pavê.
Levantou-se da mesa, foi à cozinha e depois
voltara para sala trazendo em mãos uma travessa do dito cujo: o pavê.
--Esse pavê, foi feito especialmente para
senhor, tio Leonidas. Bom , apetite.--diz dispondo o prato em frente ao tio.
--É pavê ou pacom...
E antes que ele pudesse responder, Isabel afoga a cara
do tio no prato.
Nunca tivera um natal tão feliz como aquele.
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