
Acabo de chegar à seguinte conclusão: sou
a pessoa mais distraída do mundo. Sim, sou. Não há nenhum concorrente que
se equipare ao meu nível absurdo de distração. Apenas eu somente.Eu vs eu. Digo isso
porque sou distraído duma forma que as outras pessoas não são. Pelo menos
as normais.
E tenho como provar.
***
Certa vez, estava voltando do
estágio do curso que fazia na época, quando uma senhora me para segurando
em meu braço:
--Oi? Se lembra de mim?
Encaro aquele rosto curioso,
enrugado e tento me lembrar: realmente tento. Tento,tento,tento e... Nada. Nada
encontrado em meus arquivos cerebrais. Apenas um vazio. Nada havia sido
computado pelo meu cérebro. Se um dia fora computado tais dados foram removidos,
jogados na lixeira mais próxima ou lançados ao limbo escuro, úmido e mofento de
minha memória.
Passado esse período de uma
tentativa inútil de identificação (cujo qual, durara milésimos de segundos)
repondo da forma mais dissimulada que a minha cara de pau permitira:
--É claro que me lembro! Como a
senhora vai?
A abraço como se realmente a
conhecesse.Como se fosse um parente querido.
--Vou bem. --responde ela. --E
como vai a sua família? Sinto a muito a sua perda. Dona Alzira era uma grande
mulher. Foi-se muito cedo...
Dona Alzira? Que Alzira? Quem
diabos era Alzira?
Não sabia de quem se
tratava.
Muito provavelmente a
senhorinha estava com algum lapso de memória e estava me confundindo com outro alguém.
Tão distraída quanto eu.Não conhecia dona Alzira e muito menos a dona que
pranteava a morte dela. E para me livrar de tal saia justa, digo num tom soturno:
--Pobre, Alzira...pobre
Alzira...
E saio correndo.
***
Outro momento que demonstra o quão
sou uma pessoa distraída fora quando tomei um ônibus errado e quase fui parar
na praia de Bertioga (praia próxima do lugar onde moro).Foi num dia que
também voltava do estágio. Lembro de que o dia tinha sido estressante e
enfadonho (algo completamente normal na vida de um estagiário brasileiro)
ansiava pela chegada do ônibus como quem anseia por um copo d'água no Saara. Fazia
estágio geralmente aos finais de semana (em dias em que a quantidade de transporte
é completamente reduzida). Ou seja, o passageiro que esperava por tais
coletivos se transformava numa espécie de espantalho de rodovias e pontos de
ônibus.
Finalmente o meu ônibus
chega--ou qual que achei que fosse o meu. Subo nele e vou para o fundo do
ônibus e me agarro no corrimão como um bicho preguiça. Olho para baixo, penso
na vida: no passado e no futuro. Nunca no presente. Me distraio.
Depois de certo tempo, volto
meu olhar para cima, olhando pela janela a minha frente e logo estranho: aquele
não era o caminho que sempre tomava na volta do estágio. Ele estava diferente.
Mais cheio de árvores mais verdejante. Quase uma selva. No mesmo, instante o
meu coração começa acelerar. Havia tomado o ônibus errado....Estava indo
para um lugar que nunca havia pisado. Confirmo com o passageiro mais
próximo o que meus olhos já haviam visto: aquele não era meu destino. Puxo a
cordinha do coletivo e desço no ponto mais próximo.
E novamente me transfiguro num
espantalho de ponto de ônibus Esperando o que realmente me levasse dessa vez
(sem enganos) para minha casa.
***
Era sábado e estava afim de
assistir algo na Netflix. Coloquei um filme e depois de meia hora assistindo-o
a fome incorporou meu corpo. Fui a geladeira, peguei algo para comer. Saciava a
fome enquanto assistia ao filme. O assisto todo com tédio absoluto e com
o sono já se pendurado em cada uma de minhas pálpebras. Os créditos começaram a
subir e só fiz agradecer. O filme finalmente chegava ao fim. Hora de desligar a
TV. Hora de dormir. Hora de deitar na cama e sonhar com felpudos
carneirinhos a pularem fofamente por entre cercas.
Ledo engano.
Antes disso teria de desligar a
televisão primeiro. Procuro pelo controle dentre os vãos do sofá desesperadamente:
nada. Somente vãos escuros e apertados. Reviro a sala inteira (olho embaixo do sofá,
estante, almofadas, debaixo do jarro de flores, atrás do aparelho de som, entre
a coleção de dvds e nada...).
Parto para cozinha: olho
debaixo da mesa, debaixo da pia, em cima da mesa,em cima da pia e novamente
nada. Olho dentro do armário, do fogão e do micro ondas também e também nada encontro.
De súbito, um estalo. Começo a rir. Rir de nervoso. Um risinho histérico. Não, não
seria possível uma coisa dessas. Não o teria feito. Me encaminho a geladeira e
abro o compartimento de debaixo.Nada, nenhum controle. Respiro aliviado. Ainda
não estava caquético. Abro o freezer só para reafirmar que não estava caquético
e... Para o meu espanto, o encontro: o controle. A prova cabal de minha
senilidade.
***
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