5. Enganações
O tempo começava a mudar quando nossos saltos aterrissaram
no cimento duro do pátio da fábrica abandonada. O vento cortava furiosamente
por todas as direções o que fazia nossos cabelos serem levitados pro céu. Uma forte
tempestade se aproximava. Havia algo pairando no ar que o indicava.
Via-se que ali, um
estranho e opressivo silêncio fazia-se presente. Aquela antiga fábrica era a
autentica face da decadência: paredes enegrecidas pela ação do tempo, várias
janelas quadradas e retangulares com vidros parcialmente trincados ou
totalmente quebrados; e um telhado desdentado onde muitas aves noturnas
utilizavam de abrigo.
Quando estávamos a poucos passos da porta da fábrica
antiga, estaco.
--Ei, Rubie!Espera aí —falo cruzando os braços.
--O que você quer querida?—pergunta
ela irritada, também estacando. Aquele “querida”
que ela usava estava me dando nos nervos. Respiro e desabafo:
--Como nós, meras demônios, iremos capturar um anjo ainda
mais um anjo resguardado por um arcanjo, que como você me disse deve pertencer
a um dos seis super alados?
Ela me desfere o sorriso mais arrogante que já vira fazer
e diz-me:
--Isso é fácil querida,
será muito simples como você logo irá ver. Mas deixemos de conversa mole e
andemos logo com a captura. Quando for a hora você entenderá.
Assim que ela termina de fazer a charada, dá-me as costas
e retoma a corrida. Era bem típico de Rubie. De não dizer nada. Quando eu for
promovida de posto lá no inferno entrarei de recesso de até um mês. Aquilo
estava se tornando muito estressante para mim, aquele tipo de vida não era
comigo.
Eu como um cão fiel sigo-a.
***
Agora estávamos à frente da porta. Estávamos á beira de
sermos mandadas de sermos extintas ou de obter a nossa promoção, lá no inferno.
--Preparada?—me pergunta ela com um sorriso debochado de
quem sabe o que faz. Bom, não era primeira vez que me fazia àquela pergunta.
Respiro fundo e aceno em concordância.
Quando na verdade não estava...
***
Estava pelo menos a cinco metros de distância dele. Sabia
que aquela atitude estava sendo burra e desnecessária e que no fim de tudo
acabaria morto. Aquilo estava me sendo tudo muito estranho. Minha cabeça doía e
eu não conseguia me lembrar de completamente nada. Não lembrava qual era meu
nome, quem era Miguel cujo se dizia meu pai e o que era aquela concha crivada
de pedras azuis.
--Vamos, Miguel me conte tudo! Já que daqui a instantes estarei
morto, custa nada me contar quem eu sou... —provoco irônico o arcanjo.
Em questão de poucos segundos ele aparece em minha
frente. Era algo muito louco. Com certeza, esse poder que estes arcanjos
possuem tem haver com aquela molécula divina.
--Então, sente-se aí... —diz ele em tom de ordem.
Não queria sentar, em pé estava e em pé ficaria se não
tivesse sido pelo magnetismo poderoso que aqueles olhos azuis exerceram sobre mim,
que me fazem sentar sob um velho caixote de madeira.
--Como você fez isso?—pergunto querendo desvendar os
mistérios que circundam esses seres de assas, nada angelicais. Aquilo me
pareceu uma sessão de hipnose.
--Você quer ou não saber toda a verdade?—interroga-me com
aquela sua voz trovejante com um sorriso de canto.
Ora, se não queria saber quem era eu. Mas é claro que
queria!
--Lógico que quero!
--Bom, como havia dito antes você é meu filho e também um
meio-anjo. Tá. Sei que havia dito que você era um anjo, mas Yzael, não é bem
assim...
Meu cérebro parecia ter sido jogado numa privada dentro
da qual haviam dado descarga que me faz (cérebro) regirar, regirar, regirar...
--Como que é? O que é que você quis dizer com: “não é bem
assim...”
--É que... é que...é que...—ele parecia uma daquelas
vitrolas antiquadas que ficavam riscando o vinil,sulcando profundamente o disco.
--Vamos, diga...
No momento, em que ele ia me dizer quem era eu, um
estrondoso barulho eclode dos fundos do galpão. Uma dantesca nuvem de poeira é
levantada. Começo a tossir no mesmo instante.
Procuro por Miguel, em meio aquele nevoeiro empoeirento,
todavia não o encontro.
Onde ele estaria?
***
--Escute bem o que vou lhe dizer: estarei nos fundos da
fábrica e você entrara pela porta da frente e capturara o anjo, enquanto
distraio o arcanjo, prendendo-o numa armadilha. Capitcht querida?
Nossa! Nunca em minha vida demoníaca havia visto tal
ideia kamikaze. Aquilo era para pedir pra deixar de existir.
--Você tem certeza que este plano irá dar certo?—pergunto
entre a temente e desconfiada.
--Você ainda tem alguma dúvida? Querida esse plano fora muito bem pensado por mim...
Por isso estava desconfiada. E se ela quisesse me trair
de algum jeito?Contudo, o que eu podia fazer? Não havia nenhum jeito de eu
voltar atrás, pois era impossível de se quebrar um pacto demoníaco. E quando
quebrado este traria grandes conseqüências àqueles que não o cumpriram. E de
qualquer forma não queria quebrá-lo, não queria arcar com as conseqüências.
--Ei, está preparada?—meneio-o a cabeça em concordância.
—Então, tá. Você tem que ser rápida. Estarei te esperando no fundo, perto da
cerca. Não teremos muito tempo. Preste atenção no céu. Não desgrude os olhos
dele. Alertarei quando você poderá penetrar no lugar. Então assuma seu posto
—diz-me ela indicando a porta e desaparecendo em poucos minutos.
Não mentirei. Estava me borrando toda cara! Como eu
renderia um anjo?Ai,ai,ai...
***
A fábrica possuía dois portões principais. O da entrada
de pessoal e da saída de produtos. O portão que estava me dirigindo obviamente
era o de saída de produtos, pois dessa forma a burra da Rúbia poderia agir sem
preocupação. Já tinha em mente o feitiço que iria utilizar para deter, por
alguns instantes o arcanjo. Por uns instantes somente. Porque arcanjos são
seres poderosíssimos, difíceis de deter.
À frente do portão do velho portão de saída, agachada no
chão, descrevo um grande círculo usando meu sangue. Logo após no meio deste
desenho uma estrela de David e inscrevo ao redor desta algumas palavras que mesclavam
o latim, o celta e um pouco da escrita demoníaca.
Finalizada esta etapa, tinha agora de criar uma
distração. Criar algo para chamar a atenção dele para que este venha até mim e
caia na armadilha.
Hehehe. Já sabia o que faria. Destruiria a porta. A
esbandalharia em mil pedaços.
Cerro os olhos e faço um gesto melífluo na direção da
porta que se estraçalha imediatamente.
Pronto.
Eis o momento de sinalizar Rúbia: erguendo meu braço
direito e regirando minha mão espalmada, faço liberar uma pequena torrente de
chamas brancas que sobem vorazes no firmamento negro.
Sorrio.
O arcanjo se aproximava, feito um tolo pato na toca da
raposa.
***
O sol sumira coberto pelas nuvens acinzentadas. Sua
luminosidade não conseguia ultrapassar aquelas densa nuvens. O vento redobrara
sua força, revirando absurdamente minhas madeixas de mulher do Shrek.
Como Rubie havia mandado, não desgrudava meus olhos do
céu. Ainda não conseguia entender como aquela demônio conseguia mandar em mim.
Cara aquilo era verdadeiramente surpreendente para mim. Eu nunca seguira as
ordens ninguém no inferno. Seguia as minhas próprias regras.
Contudo, tudo saíra ao avesso: obedecia piamente a
demônio que mais odiava de todos os sete reinos infernais.
Soltava um muxoxo, quando algo resplandece no céu
,incendiando-o: uma cobra de chamas brancas que cortava vorazmente um
firmamento como se quisesse devorá-lo.
Eis o sinal.
Fecho os olhos. Suspiro. Fecho olhos e com um aceno de
mão esmigalho a porta em minha frente.
Era agora ou nunca.
***
Faltavam poucos milímetros para que o arcanjo caísse em meu
ardil.
--Quem é você, demônio?—pergunta-me ele sem notar a
cilada que estava prestes a cair.
--Sou Rubie e você quem é arcanjo?—interrogo com
sarcasticamente, degustando antecipadamente, o doce sabor da vitória.
-- Sou Miguel o arcanjo. O que quereres aqui demônio?
O que? E então ele
é o Miguel o maldito que derrotara Lúcifer o nosso grande mestre. O arcanjo que
mandara o seu próprio irmão as profundezas.
--Quero uma coisa que está debaixo de sua pena... Isto é,
o anjo.
Ele ri como se houvesse ouvido uma piada.
--Você só pode estar maluca; Nunca deixarei que tu
encostar um dedo nele...
--É isso que vamos ver... —intimido dando alguns passos a
frente.
Os seres celestiais às vezes são tão previsíveis com seus
velhos costumes de quererem sempre se sacrificar e de proteger ao próximo. Tão
previsível que Miguel avança, intempestivamente, em minha direção, empunhando
sua espada. Sem dúvidas seria aniquilada se não tivesse agido logo.
--O que tu fizeras comigo?—pergunta ele preso no círculo.
Parecia uma mosca fixa numa placa adesiva.
--Simplesmente o prendi; Você está numa armadilha...
Estava prestes a concluía frase quando uma luz azul clara
começa reluzir de dentro da circunferência.
Droga!
Tinha de agir rapidamente. Ele podia quebrar o círculo e
sair e me a matar. Tinha de mandá-lo de volta aos céus.
Aproximo-me. O encaro: tinha assas distendidas como as de
um pássaro que estivesse prestes a alçar voo e olhos azulíssimos iguais ao
oceano em dia de borrasca. Bastava executar o feitiço de expulsão. Um feitiço
que o mandaria de volta, por alguns momentos, de volta pros ares.
--Archangelus
voltare perad casa du pater; Archangelus
voltare perad casa du pater; Archangelus voltare perad casa du
pater; Archangelus voltare perad
casa du pater;–vou repetindo
estas palavras enquanto vou acercando-o.
E como previsto, o arcanjo começa a se contorcer e uma
luz branca e fortíssima exala de dentro de seu corpo. Em poucos segundos uma
torrente de luz branca era conectada entre o céu e a terra, clareando tudo a
sua volta.
--Irra! –comemoro exultante.
Todavia, assim que me viro algo atinge minhas costas
paralisando-a.
Merda. Algo dera errado. Tombo feito uma rocha no chão.
***
Assim que entro na fábrica, me defronto com um
adolescente de seus 15 ou 16 anos qual estava de costas para mim. Era loiro e
um pouco alto. Fora o que eu posso constatar na posição e a distancia em que
ele se encontrava.
Vou a sua direção. Seria muito fácil fazê-lo adormecer.
***
Seriam os arcanjos novamente, que vieram acabar comigo de
uma vez por todas?Fico olhando a porta à minha frente. De repente, um enorme
jorro de luz rebrilha com muita intensidade. O que fora aquilo? Teria
acontecido algo com Miguel?Sentia vontade ir lá fora ver o que acontecia, mas
algo me impelia a não fazê-lo. Contudo, sentia algo estranho: um arrepio percorria
meu corpo. Era como se algo ou alguma coisa tentasse a me alertar de alguma
coisa.
Pressiono a concha com firmeza. Podia sentir cada pedra
que lhe enfeitava, O que estaria me acontecendo? Queria apenas respostas,
quando ouço alguém me chamar. Me viro e uma luz vermelha me atinge em cheio.
Era como se eu levasse uma marretada nas costelas. O ar deixara meus pulmões,
meus olhos se encerram involuntariamente; meu corpo se enverga pesadamente para
depois vir ao chão.
Não consigo ver ou pensar em mais nada.
***
--UHUUU!!!—fora a minha reação ao ver aos meus pés aquele
anjo. Hehehe. Fora muito fácil. Usei um encantamento fraco que o fizera vir,
sem sentidos, por terra.
Pego aquele corpo inerte e o jogo sob meus ombros. Cara
como aquele moleque pesava! Apesara de ser uma demônio e ter uma força
sob-humana ele era muito pesado. Todavia, o meu esforço seria recompensado com
a minha promoção lá no inferno. Poderia até ocupar uma das cadeiras lá no
principado.
Passo pela porta que recém destruí, dou a volta e chego
aos fundos da fábrica. O lugar estava silencioso e havia uma cratera enorme da
qual ainda podia-se ver uma fumaçinha saindo. E o pior de tudo era o cheiro
insuportável de alfazema que desprendia do lugar.
Procuro por Rubie. Não a encontro. Grito por ela:
--RUBIEEEE!!!—nada apenas silêncio. Onde estava aquela
idiota? Havíamos marcado aqui... Será que lhe acontecera algo, seria possível
que o arcanjo a mandara de volta pro inferno? Yes! Isso seria demais!
Imaginava-me ocupando o posto de princesa no inferno
quando uma voz familiar me diz:
--Olá, Rúbia... Só faltava você pra nossa festinha...
—viro-me imediatamente. Era ele Belzebu e uns três demônios a ladeá-lo. E um
estalo faz-se presente em minha cabeça, agora entendia tudo. Ele percebera que
o caminho dado por Rubie era um engodo e com isso nos seguira... E com certeza
deve ter pegado Rubie...
-- O que você fez com Rubie?
Ele solta uma risada cuja é acompanhada pelos seus outros
companheiros.
--O mesmo que farei com você.
Tudo fora muito, mais muito rápido mesmo: tento correr,
mas não conseguia com aquele peso extra sobre meus ombros, então um jato de luz
violácea acerta minhas costas me fazendo perder todo o controle de meu corpo.
A única coisa que consegui ouvir fora:
--Temos em mãos o anjo e a concha da criação. Nosso pai
ficará contente muito contente... —depois uma chuva de risadas infernais tomara
de conta do ambiente e não consegui ouvir mais nada.
CONTINUA...
Muito bom, até a próxima. Ansioso para o capitulo 6.
ResponderExcluirhttp://desventuras-em.blogspot.com.br/
O sexto capítulo já está no ar.
ResponderExcluirMuio obrigado por curtir a série!
Abraços!