domingo, 10 de novembro de 2019

Terror do Cotidiano 12 : O Sacrifício de Julia

contos de terror em milharal, raffael petter escritor


--Então, querida, você está pronta?---perguntou o pai da menina agachando-se na mesma altura que ela.
Julia brincava sentada no chão com uma boneca feita de pano de cabelos cor de ouro,sem olhos,boca e nariz.Sem expressão.
A criança estava concentrada na estória em que havia criado para seu brinquedo. Na verdade, aquela boneca em sua estória (que estava inventando em sua cabeça e que a todo instante o seu enredo era modificado) era uma heroína que enfrentava um monstro. O grande deus batata. Um deus malvado e sanguinário que requeria sacrifícios humanos de indefesos aldeões Sacrifícios que na verdade era infanticídio, isto é, eles teriam de sacrificar os próprios filhos em troca de proteção e  boa colheita oferecida pelo grande deus batata.
Naquele momento em que o seu pai a interrompera, a grande guerreira estava picotando o grande deus batata e distribuindo os seus pedaços aos aldeões que não precisariam nunca mais sacrificar os seus filhos.
-- Estou.—responde encarando o seu pai por uns segundos para depois voltar a sua narrativa.
                                                                              ***
O carro parou no centro do milharal. Ou no que sobrara dele.
É que fazia mais de dois anos que nada naquela terra crescia.Nada.
Naquela pequena cidade tudo o que plantavam morria depois de algumas semanas ou nem chegava a crescer. Isso fez com que os comerciantes e agricultores comprassem de terceiros ou fechassem as portas. Muitos preferiram a segunda opção,no entanto havia os primeiros que  entre o  cansaço (ou por falta de dinheiro para conseguir manter o seu estabelecimento) junto a uma  renitência caracteriscamente humana, decidiram  tomar uma atitude que séculos atrás seus antepassados tomaram.
Atitude que os pais de Julia também tomariam.
                                                                               ***
Deitaram Julia e mais duas garotas (ambas tinham a mesma idade dela ) em uma grande mesa de pedra no centro do antigo e sombrio milharal. A lua naquele momento havia se escondido como se estivesse envergonhada do que estava prestes a acontecer.
***
As garotas estavam vestidas de camisolas brancas e com coroas de flores ,tiritavam de frio e pavor.Julia olhou para seus pais,mas eles estavam impassíveis.
Agarrou a sua pequena boneca,a sua grande heroína com mais força. Lembrava de  ter dito que estava pronta horas antes,antes de chegar ali naquele milharal com todas as pessoas da cidade  e com aquelas meninas vestidas como elas,mas mentira. Mentir era pecado, sabia. Mas mentiu por medo, mentira para não decepcionar os pais.
Olhou para boneca sem expressão que abraçava e pôde ver finalmente um sorriso em seu rosto.
***
O padre pegou primeiro do sabugo de milho seco e depois da adaga. Esmigalhou o  sabugo sob as  meninas vociferando palavras muito antigas,(talvez latim ) e depois perfurou o peito de cada uma.
***
O sangue escorreu como um rio caudaloso e quente pela mesa fria de pedra para que o solo  pudesse bebê-lo  ainda fresco.
***
Julia olhou para os pais uma ultima vez e encarou o padre que beijou-lhe a sua testa e em seguida de suas companheiras, viu ele pegar do sabugo e da adaga.
Aquele era o deus batata. E ela era o seu sacrifício.
E antes que o padre perfurasse o seu coração, fecha os olhos desejando que a sua grande heroína pudesse lhe salvar.

Para ler o conto anterior a esse , clique aqui!
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