--Então, querida, você está
pronta?---perguntou o pai da menina agachando-se na mesma altura que ela.
Julia brincava sentada no chão
com uma boneca feita de pano de cabelos cor de ouro,sem olhos,boca e nariz.Sem
expressão.
A criança estava concentrada na
estória em que havia criado para seu brinquedo. Na verdade, aquela boneca em
sua estória (que estava inventando em sua cabeça e que a todo instante o seu
enredo era modificado) era uma heroína que enfrentava um monstro. O grande deus
batata. Um deus malvado e sanguinário que requeria sacrifícios humanos de
indefesos aldeões Sacrifícios que na verdade era infanticídio, isto é, eles
teriam de sacrificar os próprios filhos em troca de proteção e boa colheita oferecida pelo grande deus
batata.
Naquele momento em que o seu pai
a interrompera, a grande guerreira estava picotando o grande deus batata e
distribuindo os seus pedaços aos aldeões que não precisariam nunca mais
sacrificar os seus filhos.
-- Estou.—responde encarando o
seu pai por uns segundos para depois voltar a sua narrativa.
***
O carro parou no centro do
milharal. Ou no que sobrara dele.
É que fazia mais de dois anos que nada naquela
terra crescia.Nada.
Naquela pequena cidade tudo o que
plantavam morria depois de algumas semanas ou nem chegava a crescer. Isso fez
com que os comerciantes e agricultores comprassem de terceiros ou fechassem as
portas. Muitos preferiram a segunda opção,no entanto havia os primeiros que entre o
cansaço (ou por falta de dinheiro para conseguir manter o seu estabelecimento) junto a uma renitência caracteriscamente humana, decidiram tomar uma
atitude que séculos atrás seus antepassados tomaram.
Atitude que os pais de Julia
também tomariam.
***
Deitaram Julia e mais duas
garotas (ambas tinham a mesma idade dela ) em uma grande mesa de pedra no centro do
antigo e sombrio milharal. A lua naquele momento havia se escondido como se
estivesse envergonhada do que estava prestes a acontecer.
***
As garotas estavam vestidas de
camisolas brancas e com coroas de flores ,tiritavam de frio e pavor.Julia olhou
para seus pais,mas eles estavam impassíveis.
Agarrou a sua pequena boneca,a
sua grande heroína com mais força. Lembrava de
ter dito que estava pronta horas antes,antes de chegar ali naquele
milharal com todas as pessoas da cidade
e com aquelas meninas vestidas como elas,mas mentira. Mentir era pecado,
sabia. Mas mentiu por medo, mentira para não decepcionar os pais.
Olhou para boneca sem expressão
que abraçava e pôde ver finalmente um sorriso em seu rosto.
***
O padre pegou primeiro do sabugo
de milho seco e depois da adaga. Esmigalhou o sabugo sob as
meninas vociferando palavras muito antigas,(talvez latim ) e depois perfurou
o peito de cada uma.
***
O sangue escorreu como um rio
caudaloso e quente pela mesa fria de pedra para que o solo pudesse bebê-lo ainda fresco.
***
Julia olhou para os pais uma
ultima vez e encarou o padre que beijou-lhe a sua testa e em seguida de suas
companheiras, viu ele pegar do sabugo e da adaga.
Aquele era o deus batata. E ela
era o seu sacrifício.
E antes que o padre perfurasse o
seu coração, fecha os olhos desejando que a sua grande heroína pudesse lhe
salvar.
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